**O Vestido da Sogra**
Senti que algo estava errado assim que entrei no restaurante. A atmosfera estava estranha—muito vazia para uma sexta-feira à noite, a luz muito baixa, o maitre a sorrir de forma exagerada. O Miguel, no entanto, parecia normal, mas os dedos dele, apertando a minha mão, tremiam levemente.
“O seu lugar”, disse o maitre, puxando uma cadeira. Parei na entrada da pequena sala VIP. Centenas de velas tremeluziam na penumbra, lançando sombras dançantes sobre a toalha branca. No centro da mesa, um arranjo de rosas vermelho-escuras—minhas preferidas. Uma música suave tocava ao fundo.
“Miguel”, murmurei, “o que está a acontecer?”
Em vez de responder, ele ajoelhou-se. Um anel brilhou na sua mão trémula.
“Inês Maria”, disse ele, solene, “pensei muito em como tornar este momento especial. Mas percebi que não importa onde ou como. Só importa uma coisa: aceitas ser minha esposa?”
Olhei para o rosto dele, para a madeixa teimosa que caía sobre a testa, para o sorriso hesitante—e senti o peito inundar-se de ternura.
“Sim”, sussurrei. “Claro que sim!”
O anel deslizou no meu dedo. Aproximei-me dele, respirando o cheiro do seu colónio, e pensei: *isto é a felicidade*. Simples e claro como um dia de sol.
Mas uma semana depois, a tranquilidade começou a rachar.
“Como assim sozinhos?” exclamou a mãe dele, a Leonor, ajustando o cabelo impecável. “Isso não pode ser! Um casamento é coisa séria, precisa de experiência, de sabedoria feminina. Já até escolhi um restaurante maravilhoso…”
“Mãe”, interrompeu o Miguel, suave, “agora somos nós a decidir.”
“Vocês?” Ela ergueu as mãos. “O que é que vocês sabem? A minha sobrinha, a Carlota…”
Fiquei em silêncio, observando-a a percorrer a sala da nossa casa. A Leonor falava sem parar—sobre tradições, sobre decoro, sobre “não passar vergonha perante os outros”. Entre uma frase e outra, lançava olhares rápidos à decoração, como se já planeasse mudar tudo.
“Mãe”, tentou o Miguel novamente, “já escolhemos o restaurante. ‘O Lago’, conheces?”
A Leonor torceu o nariz como se sentisse uma dor de dentes.
“‘O Lago’? Esse sítio moderno? Não, só o ‘Império’! As luzes, a louça… e o gerente é um velho amigo meu!”
“Mãe”, a voz dele ficou firme, “somos nós que pagamos. E é lá que vamos ficar.”
Ela parou, cerrou os lábios e ergueu o queixo.
“Então façam como quiserem. Mas não digam depois que eu não avisei.”
Saiu, deixando para trás um rasto de perfume caro e a sensação de uma tempestade prestes a chegar.
“Desculpa”, murmurou o Miguel, abraçando-me. “Ela é assim… intensa.”
Fiquei calada. Algo dentro de mim sussurrava: *isto é só o começo.*
E era.
As semanas seguintes tornaram-se numa série de discussões, insinuações e críticas veladas. A Leonor encontrava defeitos em tudo—nos arranjos florais, na disposição das mesas…
“Peónias cor-de-rosa?” ela abanava a cabeça. “Em setembro? Não, só lírios brancos! E precisam de um arco mais solene. Os músicos… meu Deus, a sério que querem esse grupo amador? Conheço um quarteto maravilhoso da Fundação Gulbenkian…”
Agarrava-me à paciência. A única salvação era a minha mãe, a Ana Sofia, sempre calma e racional.
“Não ligues”, dizia ela, quando eu ia chorar-lhe as mágoas depois de mais uma batalha. “A noiva és tu. Quem sabe, talvez ela tenha dificuldade em aceitar que o filho cresceu.”
Mas a verdadeira tempestade surgiu por causa do bolo.
“Olhem só isto!” A Leonor agitou o catálogo da pastelaria. “Três andares? Onde estão as rosas de açúcar? As figuras do noivo e da noiva?”
“Mãe”, o Miguel suspirou, “queremos algo elegante, sem exageros.”
“Elegante?” A voz dela tremeu. “Queres envergonhar a tua mãe diante da cidade toda? O filho do arquiteto principal, com um bolo de cantina!”
Perdi a paciência.
“Dona Leonor, vamos ser claros. Este casamento é nosso. Não seu.”
O silêncio que se seguiu foi gelado.
Ela empalideceu, depois corou e levantou-se de um salto.
“Está bem. Vejo que aqui não sou bem-vinda. Façam como quiserem!”
Batendo a porta com tanta força que os vidros tremeram, saiu.
“Lá se foi”, murmurou o Miguel. “Ficou ofendida.”
Fiquei calada. Um peso apertava-me o peito.
Dois dias depois, veio o golpe final.
No vestuário nupcial, a fazer a última prova, ouvi acidentalmente a rececionista ao telefone:
“Sim, sim, Dona Leonor, o seu vestido estará pronto. Um tom lindo—um creme suave, quase como o da noiva…”
Tudo escureceu à minha volta. Saí a correr do salão, esquecendo-me da prova, e liguei à minha mãe com dedos trémulos.
“Mãe”, a voz quebrou-se, “ela quer estragar tudo… comprou um vestido igual ao meu…”
“Acalma-te”, a voz dela soou firme. “Confia em mim. Vou resolver.”
“Como?”
“Apenas confia.”
A ligação caiu. Fiquei parada na rua, o desespero a crescer dentro de mim. Faltavam três dias para o casamento, e já nem sabia se queria aquela festa.
A manhã do casamento trouxe chuva. Encostada à janela, via as gotas escorrerem no vidro, tentando acalmar o tremor nos joelhos. Atrás de mim, maquilhadores e cabeleireiros mexiam-se, mas as vozes deles chegavam-me abafadas.
“Inês, não te mexes”, queixou-se a cabeleireira, tentando domar uma madeixa rebelde.
Obedeci, imóvel. Uma única pergunta ecoava na minha cabeça: *que vestido irá a Leonor usar?*
“Filhinha!” A minha mãe entrou na sala. “Deixa-me ver-te.”
Virei-me. Ela parou à porta, as mãos no rosto.
“Meu Deus, que linda estás!”
“Mãe”, agarrei-me ao seu olhar preocupado, “arranjaste alguma… solução?”
Ela sorriu, misteriosa.
“Não te preocupes. Hoje é o teu dia. Ninguém vai estragá-lo.”
No registo civil, estava tão nervosa que mal me lembro. Tudo se misturou—a música, a voz do juiz, o brilho nos olhos do Miguel, os flashes das câmaras. O anel custou a entrar, os dedos recusavam-se a parar de tremer, mas finalmente encaixou.
“Declaro-vos marido e mulher!”
O primeiro beijo foi distraído—eu ainda procurava, entre os convidados, um vestido creme. Mas a Leonor não estava lá.
“Ela vai diretamente para o restaurante”, sussurrou o Miguel. “Disse que tinha um problema no cabelo…”
Apenas anuí. O peito apertou-se com o pressentimento.
No ‘O Lago’, fomos recebidos com aplausos. O lugar estava deslumbrante—O jantar seguiu em perfeita harmonia, sem vestígios da Leonor, enquanto eu e o Miguel conversávamos e ríamos como se o mundo fosse só nosso.
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