— «Devolve-me tudo o que te dei!» — exigiu Pedro, entrando na sala com um olhar ameaçador.

— «O quê?!» — perguntou surpresa Clara, levantando-se do velho sofá. Ela acabava de voltar de uma corrida, vestindo leggings esportivas e uma blusa leve, seu semblante denunciava um leve cansaço.

Pedro cruzou os braços, seu olhar soturno refletia raiva. Ele disse com firmeza:
— «Eu disse: devolve tudo o que eu te dei. Você não merece.»

Clara ficou paralisada. Não fazia muito tempo, eles pareciam o casal perfeito — ou pelo menos, assim pensavam os amigos e a família. A história deles começou há dois anos em uma pequena tasca de Lisboa, onde Clara foi parar após as aulas na faculdade. Na época, ela era estudante de literatura, sonhando em tornar-se escritora e já escrevendo suas primeiras histórias. Pedro trabalhava como programador em uma grande empresa, usava relógios caros que transmitiam confiança.

— «É estranho que não tenhamos nos encontrado antes», — sorriu ele, servindo cidra em um copo naquela noite em que se conheceram.

— «Não sei, geralmente não venho aqui. Minha amiga me trouxe… mas ela já foi embora», — confessou Clara.

As conversas fluíam, desde lançamentos literários até política. Pedro a impressionava com sua atenção e autoconfiança. Clara sentia que aquela calma era ao mesmo tempo atraente e um pouco amedrontadora.

Namoravam sem rótulos ou pressões. Pedro dizia que estava cansado de relacionamentos vazios, enquanto Clara apenas desfrutava da companhia dele. Ele a convidava para cafés, sempre arrumando pequenas surpresas — como camisetas com frases de seus livros preferidos. Uma vez, ele lhe deu uma edição rara de poemas de Florbela Espanca, e Clara pensou que ele realmente a entendia.

Considerava-se mais maduro, então repetia que precisava “cuidar dela”. A princípio, Clara achou isso encantador. Ele pagava suas corridas de táxi, comprava roupas caras “do gosto dele”. Com o tempo, ela se acostumou à sua generosidade, sem suspeitar que um dia ele pediria tudo de volta.

Havia passado apenas um mês desde a separação. Clara acreditava que tudo havia terminado de forma pacífica. Pedro recolheu suas coisas, deixando na porta dela um pacote com utensílios e outros objetos que um dia emprestou. Celebrar o “devolutiva de presentes” nunca foi mencionado.

E agora, ele estava diante dela, cravando um olhar intenso, pronunciando aquelas palavras: «Devolve-me os presentes — você não os merece!»

— «Pedro, fica calmo», — tentou apaziguar Clara. — «Do que está falando? Que presentes? Você mesmo os deu…»

Ele ergueu o queixo, cheio de orgulho:
— «Sim, eu dei. Mas naqueles dias, eu acreditava que éramos um só, que havia algo real entre nós. E agora… Descobri que você já saiu com outras pessoas!»

Clara não conseguia acreditar no que ouvia:
— «Saiu com outras pessoas?! De onde você tirou isso? E mesmo que fosse verdade, nós não somos mais um casal. Tenho o direito de viver minha vida.»

— «Claro, claro», — rebateu Pedro. — «Mas já que você encontrou um substituto tão rápido, por que não devolve o relógio que eu te dei de aniversário? E o notebook que paguei… Lembra daquele vestido de uma marca italiana? E…»

— «Espera», — interrompeu Clara. — «Você realmente quer que eu devolva tudo isso só porque terminamos?!»

Pedro assentiu, frio:
— «Sim. Você não merece. Afinal, você não é mais minha namorada. Se decidiu recomeçar sua vida, que os presentes voltem a quem os deu.»

Clara se virou para a janela. Queria rir, mas a indignação aumentava dentro dela. Por um lado, sabia que, legalmente, não precisava devolver os presentes. Por outro, estava à frente de um estranho, cujos olhos ardentes revelavam uma mágoa infantil e egoísmo.

— «Então você acha que tudo o que me deu não foram presentes, e sim investimentos? E agora quer tudo de volta?» — perguntou, tentando manter a calma.

— «Não foi isso que eu disse. Mas se você se considera ‘certinha’ depois de tudo que aconteceu, para que quer meus objetos? Que o novo admirador compre para você, se aparecer», — acrescentou, em tom ácido.

Clara sentiu o rosto queimar de raiva. Era evidente que Pedro viera para humilhá-la, para fazê-la sentir culpa. Mas por que ela deveria se justificar?

— «O novo admirador não é da sua conta», — disse, respirando fundo. — «E sobre os presentes… Você realmente quer que eu devolva tudo? Tudo bem…»

— «Quero, sim», — repetiu ele, embora uma pitada de ansiedade lhe escapasse — claramente não esperava que ela aceitasse tão rapidamente.

Enquanto Clara tentava organizar seus pensamentos, lembranças dos últimos dias com Pedro voltaram à mente. Tudo começou com uma pequena discussão, quando ela disse que iria à praia com as amigas. Pedro respondeu com frieza: «Por que você precisa dessas amigas? Por que não podemos sair só nós dois?» Durante a noite, a conversa evoluiu para um grande conflito, onde todos os ressentimentos acumulados vieram à tona. Ele a acusou de não dedicar tempo suficiente ao lar e de estar muito ocupada com seus sonhos. Clara o acusou de controle e desrespeito ao seu espaço pessoal.

A briga continuou. Pedro fez comentários depreciativos sobre sua formação, e Clara respondeu: «Seu caráter se tornou insuportável. Estou saindo.» Terminara naquele mesmo dia, combinando de “continuar amigos”, mas na prática, tudo se transformou em qualquer coisa, menos amizade.

Clara olhou para Pedro. Ele jogou o cabelo para trás e torceu os lábios de forma nervosa:
— «Então, você vai trazer tudo ou eu mesmo vou ter que revirar sua casa?»

— «Revirar não vai», — declarou Clara com firmeza. — «Fique no sofá, se preferir. Eu vou reunir tudo.»

Entrou no quarto, acendeu a luz e olhou ao redor. «O que ele me deu?» — pensou. O relógio estava na caixinha, o notebook em cima da mesa, o vestido pendurado no armário, a pulseira descansando na caixa… E ainda os tênis, a bolsa, um monte de outras coisas. «Certo, vou preparar uma surpresa para ele», — decidiu Clara.

Enquanto colocava os presentes no saco, sentia uma misturada entre raiva e satisfação. Não queria guardar essas coisas como lembrança de Pedro. «Leva, se é tão necessário. Sem elas, eu me viro», — disse a si mesma.

Quando Clara saiu com o pesado saco, Pedro deu apenas uma olhada:
— «É só isso?»

— «Talvez não, mas vamos começar por aqui», — ela respondeu, desinteressada.

Pedro começou a revirar os itens no saco, como um fiscal de tesouraria. Primeiro, tirou o vestido, olhou a etiqueta e fez uma careta:
— «Duvido que você tenha usado isso uma vez. Bem, você lava, e talvez eu venda.»

Clara permaneceu em silêncio, assistindo à cena. Depois, ele tirou a bolsa, a pulseira… Finalmente, chegou ao notebook, que estava cuidadosamente embalado na capa preta.
— «Isso é definitivamente meu. Eu paguei por ele. Como combinado: devolve.»

Clara assentiu, mantendo a calma. Mas dentro dela ecoou a pergunta: «Por que ele é tão mesquinho? É apenas por desejo de vingança?»

No fundo do saco, estavam as relógios — aqueles mesmos com a gravação: «À minha amada Clara – juntos para sempre». Pedro pegou-os nas mãos, leu a inscrição. Num instante, a tristeza passou por seus olhos, mas logo se transformou em desprezo.
— «Isso também é meu. A gravação não significa nada agora», — pronuncio gelidamente. — «O que mais falta?»

— «Parece que tudo», — respondeu Clara, sem emoção. — «Se não contar as coisas pequenas: pelúcias, buquês, doces… Devemos devolver os doces também?»

Ela não conseguiu conter a ironia, mas Pedro a levou a sério:
— «As pelúcias também. Eu as dei quando estávamos juntos. Portanto, são minhas.»

Clara respirou fundo, misturando risos e amargura. Voltou ao quarto e trouxe alguns URSOS de pelúcia, que estavam acumulando poeira há tempos. Colocou-os no saco.

— «E então, está satisfeita?» — provocou ele.

— «Não sei, você que está tentando conseguir algo», — respondeu ela, franzindo a testa.

Clara lembrou-se da pulseira que ele lhe deu no início do relacionamento. Simples, comprada em uma feira. Na época, parecia muito especial. Ela a guardou em uma caixa do pai, próxima a fotos e cartas antigas.

«Por que não? Que leve embora, se assim deseja», — pensou.

Ela trouxe a caixa, tirou a pulseira desbotada e a jogou no saco. Pedro demorou um pouco para perceber o que era, mas finalmente a reconheceu. Sua sobrancelha se ergueu.
— «Nem pensava que você ainda tinha isso. Mas tudo bem, já que você está devolvendo, pode levar.»

Clara notou um vislumbre de nostalgia em seus olhos. Talvez ele também tenha se lembrado das caminhadas pela beira do rio, das risadas e sorvetes compartilhados. Mas o orgulho e mágoa prevaleceram.

Nesse instante, a campainha tocou. Clara abriu a porta e viu a amiga Margarida com sacolas de supermercado. Elas haviam combinado de fazer pizza e assistir a uma série. Ao ver Pedro com o saco nas mãos, Margarida se surpreendeu:
— «Olá! O que está acontecendo?»

— «Meu ex veio exigir que eu devolvesse os presentes», — deu de ombros Clara.

— «Sério?» — Margarida ficou perplexa. — «Homem, não acha que isso é demais?»

— «Não se meta», — cortou Pedro. — «Estou pegando apenas o que é meu.»

Margarida balançou a cabeça:
— «Clara, precisa de ajuda para juntar suas coisas? Quem sabe encontramos até algumas escovas de dentes?»

Clara riu, enquanto o rosto de Pedro queimava de raiva. Ele quis dizer algo, mas desistiu.

Por fim, Clara se aproximou da porta, a abriu e olhou para Pedro com indiferença:
— «Aqui está tudo o que você me deu. Se encontrar uma caneta no armário, avise-me, envio pelo correio. Não há mais nada.»

Pedro segurou o saco, que estava prestes a estourar com a quantidade de objetos. Ele esperava lágrimas, súplicas para que deixasse o notebook ou o relógio. Mas Clara apenas permanecia ali — calma e, aparentemente, aliviada.

— «Você não vai protestar? Não tenta ficar com nada?» — perguntou ele, surpreso.

— «Por que eu faria isso? Esta é a sua escolha — exigir tudo de volta. A minha — devolver. Não quero lembranças do que você se tornou.»

Ele ficou em silêncio por alguns segundos:
— «Entendi… Quem sabe um dia a gente se veja de novo, como conhecidos?»

— «Não acho que seja necessário. Te desejo sorte», — Clara disse, desligando o telefone, sem se sentir culpada.

Ela deixou o telefone na mesa e sorriu para Margarida. Aquela, ao perceber pelo olhar da amiga que a conversa havia terminado, perguntou:

— «E então? O que ele queria?»

— «Parece que se arrependeu do que fez. Mas não quero voltar ao passado. Tudo isso já ficou para trás», — respondeu Clara em um sussurro, sentindo-se livre.

Quando foram servidas as sobremesas, ela pensou que a vida seguia em frente, e agora era ela quem decidia o rumo que queria tomar. Nenhum “presente” do passado conseguiria mais ditar suas regras.

Seis meses depois, Clara se formou, continuou trabalhando no centro cultural e lançou sua primeira coletânea de ensaios em um jornal online. Ela alugou um pequeno apartamento aconchegante, decorando-o apenas com o que achava necessário. Em uma das mudanças, encontrou a caixa com a pulseira que também foi devolvida por Pedro. Clara sorriu, relembrando o início da história deles.

Mas as lembranças não duraram muito. Ela colocou a trinket de volta na caixa e começou a organizar os livros. «Que o passado permaneça no passado», — decidiu. No fundo, sabia que tinha tomado a decisão certa, devolvendo aqueles “presentes”, mas mantendo o mais importante — sua dignidade e a capacidade de seguir em frente.

Agora, se alguém dissesse: «Devolve-me tudo o que te dei», — ela saberia como responder. Esse não era um retorno às coisas materiais, mas a afirmação de quem ela se tornara — uma pessoa à prova de vinganças do passado que não pode mais impedir sua felicidade.


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