O Vestido da Sogra

O Vestido da Sogra

Ana sentiu algo estranho assim que pisou no restaurante.

Algo parecia errado — lugar vazio demais para uma sexta à noite, luzes baixas demais, o maitre a sorrir com esforço. Miguel, porém, agia normalmente — só os dedos apertando a mão dela tremiam um pouco.

— A sua mesa — o maitre afastou a cadeira, e Ana parou à porta da sala VIP.

Centenas de velas cintilavam na penumbra, lançando sombras curiosas sobre a toalha branca. No centro, um vaso com rosas vinho, suas favoritas. Música suave tocava ao fundo.

— Miguel — Ana suspirou — o que está acontecendo?

Sem responder, ele ajoelhou. O anel brilhou em seus dedos trêmulos.

— Ana Beatriz — disse ele, solene — pensei muito em como tornar este momento especial. Mas percebi que não importa onde nem como. Só uma coisa importa: aceitas ser minha esposa?

Ela olhou para seu rosto nervoso, para o cabelo rebelde no meio da testa, para o sorriso tímido — e sentiu o coração inundar de ternura.

— Sim — sussurrou. — Claro que sim!

O anel deslizou no dedo. Ana encostou-se a Miguel, respirando o cheiro do seu perfume, e pensou: era assim a felicidade. Simples e clara como um dia de sol.

Mas uma semana depois, a calma deles rachou pela primeira vez.

— Como assim, sozinhos? — Dona Isabel, a futura sogra, ajustou o cabelo impecável. — Isso não pode ser! Casamento é coisa séria, precisa de experiência. Já escolhi um restaurante perfeito…

— Mãe — Miguel interrompeu suave — agradecemos, mas queremos organizar tudo nós mesmos.

— Sozinhos? — Ela ergueu as mãos. — O que vocês entendem disso? Minha sobrinha Catarina…

Ana observou em silêncio enquanto a sogra percorria a sala do apartamento, falando sem parar sobre tradições, decência e “não passar vergonha”. Entre frases, lançava olhares rápidos à decoração, como se já planejasse mudanças.

— Mãe — a voz de Miguel ficou firme — nós pagamos pelo casamento. E será onde quisermos.

Dona Isabel parou no meio da frase. Apertou os lábios.

— Está bem. Mas depois não digam que eu não avisei.

Ela saiu, deixando um rastro de perfume caro e um ar de tempestade.

— Desculpa — Miguel abraçou Ana, sorrindo. — Ela é… entusiasmada.

Ana não respondeu. Algo lhe dizia que era só o começo.

E era.

As semanas seguintes foram uma sucessão de críticas sutis e opiniões não pedidas. Dona Isabel encontrava defeitos em tudo — dos arranjos de flores aos lugares na mesa.

— Peónias rosas? — balançou a cabeça. — Em setembro? Só lírios brancos! E o arco tem que ser mais elegante… E esses músicos, meu Deus! Conheço um quarteto maravilhoso…

Ana segurava-se como podia. Só a mãe, a tranquila Maria do Carmo, a acalmava.

— Ignora — dizia, quando Ana chegava chorando. — A decisão é tua. Ela só não aceita que o filho cresceu.

Mas a verdadeira tempestade veio com o bolo.

— Três andares? — Dona Isabel sacudiu o catálogo. — Onde estão as rosas de açúcar? As figuras dos noivos?

— Queremos algo simples, mãe — Miguel respondeu, cansado.

— Simples? — a voz dela tremeu. — Querem envergonhar a família? O filho do arquiteto mais famoso da cidade com um bolo de padaria!

Ana não aguentou mais:

— Dona Isabel, vamos ser claros: é o nosso casamento. Não o seu.

Silêncio.

A sogra empalideceu, depois corou e levantou-se brusca.

— Entendo — disse, glacial. — Façam como quiserem.

E saiu, batendo a porta com força.

— Lá se vai ela — suspirou Miguel.

Ana calou-se. O mal-estar crescia.

Dois dias depois, o pior aconteceu.

Na loja de vestidos, Ana ouviu sem querer a atendente ao telefone:

— Sim, Dona Isabel, seu vestido ficará pronto. Um tom marfim lindo, quase igual ao da noiva…

O chão sumiu sob os pés de Ana. Ela saiu correndo, ligou para a mãe aos prantos:

— Mãe, ela comprou um vestido de noiva!

— Calma — Maria do Carmo falou com segurança. — Eu resolvo.

— Como?

— Confia em mim.

O telefone cortou.

Ana ficou na rua, o desespero tomando conta. Faltavam três dias, e ela já não tinha certeza de nada.

O dia do casamento amanheceu chuvoso. Ana olhava pela janela, as pernas fracas. Atrás dela, o cabeleireiro e a maquiadora trabalhavam, suas vozes distantes.

— Ana, não mexe — o cabeleireiro prendia um fio teimoso.

— Filha! — Maria do Carmo entrou. — Deixa-me ver.

Parou na porta, as mãos no rosto:

— Meu Deus, que linda!

— Mãe… — Ana procurou seus olhos. — Arranjaste alguma coisa?

Ela só sorriu, misteriosa:

— Hoje é o teu dia. Ninguém vai estragá-lo.

No registo, Ana mal se lembrava de si. Tudo se misturava: a música, o registador, os olhos brilhantes de Miguel, os flashes. O anel custou a entrar no dedo trêmulo.

— Declaro-vos marido e mulher!

O primeiro beijo foi distraído — Ana procurava na plateia um vestido marfim. Mas Dona Isabel não estava lá.

— Vai direto para o restaurante — sussurrou Miguel. — Problemas com o penteado…

Ana assentiu. O coração apertou.

No restaurante — “A Casa das Hortênsias” —, tudo era perfeito: toalhas brancas, cristais, flores por todo lado. Por um instante, Ana esqueceu os medos.

O carro preto parou à porta. Dona Isabel desceu, majestosa, num vestido marfim cravejado de cristais, quase igual a um vestido de noiva.

— Olha só… — Miguel murmurou.

Mas antes que ela desse dois passos, um garçom tropeçou, derramando molho de amora no vestido impecável.

— Perdão! — ele se desculpou, esfregando o tecido. — Que desastre!

Dona Isabel congelou. O rosto passou por todas as emoções antes de se transformar em máscara.

— Eu… volto já.

Virou-se e saiu. Ana olhou para a mãe — que mexia nas flores, um sorrisinho nos lábios.

— Sabes — Miguel segurou sua mão — até que gostei do que aconteceu.

Ana surpreendeu-se.

— Eu cansei disso. Dela querer controlar tudo. Até hoje precisava ser o centro.

Ana encostou no ombro dele. A chuva caía lá fora, mas dentro dela reinava uma paz inexplicável.

Dona Isabel não voltou. Mas os noivos dançaram, riram, sentindo-se completamente felizes.

E o vestido da sogra? Bem, às vezes o destino resolve as coisas à sua maneira. Até mesmo com um pouco de ajuda — molho de amora, um garçom desastrado e uma mãe inteligente.


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