Leonor caminhava devagar pela rua, arrastando os pés como um autómato. O dia tinha sido insuportavelmente longo—duas reuniões, um conflito com um fornecedor, relatórios que teve de refazer por causa de um erro do estagiário. Ao final da tarde, a cabeça latejava e os pensamentos embaralhavam-se. Só queria chegar a casa, tirar os sapatos desconfortáveis, tomar um banho quente e afundar-se no sono.
O telemóvel vibrou na mala. Leonor pegou nele com relutância, imaginando que fosse o marido, Ricardo, a perguntar o que preparar para o jantar. Ao olhar para o ecrã, viu um número desconhecido. Normalmente não atendia chamadas desconhecidas, mas algo lhe dizia que devia responder.
— Estou? — disse, cansada, continuando a caminhar em direção a casa.
— Onde é que andas, ovelha? Já estamos há uma hora à porta do teu prédio, cheios de fome! — uma voz áspera ecoou no telefone.
Leonor parou a meio do passeio, como se tivesse sido enraizada. O mundo continuou a mover-se à sua volta, pessoas contornavam-na apressadas, mas ela ficou ali, incapaz de acreditar no que ouvira. Aquela voz—áspera, com uma entoação peculiar—pertencia à tia do marido, Dona Esmeralda.
— Como disse? — perguntou Leonor, esperando ter ouvido mal.
— Estás surda? — um suspiro irritado veio do outro lado. — Chegámos! Eu, a tua sogra e o Zé Carlos. Estamos aqui à tua porta há uma hora. Esqueceste-te?
Leonor franziu a testa, tentando recordar-se do que poderia ter esquecido. Não era nenhum feriado nem aniversário. Ninguém a avisara sobre a visita dos familiares do marido.
— Dona Esmeralda, desculpe, mas eu não sabia que vinham — disse, cautelosamente.
— Como assim não sabias? — a voz indignou-se. — O Ricardo e eu combinámos há uma semana! Ele devia ter-te avisado.
Leonor respirou fundo. Mais uma surpresa do marido. Ricardo “esquecia-se” frequentemente de partilhar coisas importantes, para evitar responsabilidades.
— O Ricardo não me disse nada — respondeu, firme. — Estive ocupada no trabalho, chego a casa em quarenta minutos.
— Quarenta minutos?! — a indignação de Dona Esmeralda era palpável. — Estamos famintos, cansados da viagem! Não podes vir mais rápido?
Leonor sentiu a irritação crescer dentro dela. Os familiares do marido apareciam sem aviso, eram rudes, exigiam que ela largasse tudo para os servir… Uma pensamento atravessou-lhe a mente: “E se eu tivesse ficado a dormir em casa duma amiga? Ou viajado a trabalho?”
— Olhe, eu não sabia que vinham — disse, tentando manter a calma. — Dêem-me tempo para chegar a casa.
— Não temos tempo para esperar! — Dona Esmeralda bufou. — O Zé Carlos já está a ficar maluco de fome!
Zé Carlos, o primo do marido, um homem de trinta e cinco anos que ainda vivia com a mãe e não sabia fritar um ovo.
— E onde está o Ricardo? — perguntou Leonor, sentindo a raiva ferver.
— E eu sei? Não atende o telefone. Deve estar atrasado — respondeu Dona Esmeralda, impaciente. — Então, vens ou não?
Leonor desligou a chamada sem se despedir. O coração batia forte de indignação. Ligou ao marido. Toques intermináveis, depois o correio automático. Tentou outra vez—o mesmo resultado. Conhecia o truque: Ricardo não atendia quando suspeitava de uma conversa desagradável.
“Então, ele sabe bem o que se passa — pensou Leonor. — E esconde-se como um cobarde. Mais uma vez, deixa a responsabilidade para mim.”
O telemóvel tocou novamente. Desta vez, era a sogra, Dona Celeste.
— Leonorzinha, meu amor, já vens? — a voz era melosa. — Estamos aqui a congelar, e a Esmeralda já está à beira.
— Dona Celeste, desculpe, mas eu não sabia que vinham — disse Leonor, mantendo um tom gentil. — O Ricardo não me avisou.
— Ah, não? — a sogra fingiu surpresa. — Ele jurou que tinha combinado contigo! Bem, acontece a todos. Anda, despacha-te, querida. A Esmeralda fica insuportável com fome.
Leonor fechou os olhos, contando até dez. Era sempre a mesma coisa — esperavam que ela largasse tudo para resolver uma situação que nem sequer criara.
“Porque é que eu tenho de pagar porLeonor sorriu enquanto servia o almoço, sabendo que, finalmente, tinha encontrado o equilíbrio entre ser gentil e impor respeito—e, pela primeira vez, sentiu que todos à mesa a tratavam não como uma serva, mas como alguém que merecia consideração.
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