Há momentos na vida em que sentimos que o mundo parou. Um instante que divide o tempo em dois: antes e depois.
Para Leonor, esse momento chegou numa tarde comum, quando voltou à casa onde vivera com a mãe, a única pessoa que sempre a ensinara a lutar com dignidade, mesmo quando a vida parecia um campo minado.
Leonor tinha apenas dezoito anos quando a mãe faleceu. A morte, que sempre parece distante até bater à nossa porta, chegou sem aviso, deixando um vazio impossível de preencher.
Mas a ausência da mãe trouxe não só dor, mas também uma responsabilidade inesperada: cumprir os últimos desejos dela.
Nos seus dias finais, a mãe pediu-lhe algo que muitos considerariam absurdo: não expulsar Tiago, o seu antigo companheiro, mas dar-lhe tempo para se recompor. “Ele esteve aqui quando mais precisámos, minha filha. Não o abandones tão cedo,” disse, com a voz frágil pela doença, mas com um olhar que não admitia recusa.
Leonor, embora sem entender completamente o pedido, aceitou. Por respeito, por amor e porque, no fundo, sabia que a mãe sempre via além do óbvio.
E assim, Tiago ficou. Não era uma má pessoa, mas também não era família.
A sua presença incomodava-a, um lembrete constante dos anos difíceis e das escolhas que a mãe fizera.
Leonor tentou ser paciente, sem deixar que o ressentimento ou o cansaço a dominassem.
Concentrou-se nos estudos, preparando-se para a universidade, honrando a memória da mãe da única forma que conhecia: lutando por um futuro melhor.
Durante um mês, Leonor frequentou um curso intensivo de preparação para o ensino superior. Era a sua oportunidade, o sonho que a mãe sempre quis para ela.
As aulas eram exigentes, mas todos os dias agarrava-se à memória da mãe, à promessa de não desistir.
Porém, ao chegar a casa, não foi o que esperava.
Quando abriu a porta, a primeira coisa que viu foram malas empilhadas na entrada.
Por um instante, pensou que Tiago estivesse finalmente a ir embora, que aquele capítulo se fechava. Mas, ao aproximar-se, percebeu que as malas não eram dele—eram as suas.
Todas as suas coisas, cuidadosamente arrumadas, como se alguém tivesse decidido que ela já não pertencia ali.
O coração disparou. Entrou na sala e o que viu gelou-lhe o sangue: uma mulher estranha, estendida no sofá, vestindo o roupão da mãe.
Era uma cena horrível, uma invasão à sua vida mais íntima. A mulher olhou para ela com um sorriso de superioridade, como se soubesse que tudo lhe pertencia.
“Ah, deves ser a miúda que o Tiago deixou para trás,” disse, num tom debochado, quebrando o silêncio da casa. “CHEGA! ESTÁ NA HORA DE TE PÔRES A ANDAR! Um advogado chega dentro de uma hora para te explicar tudo.”
Leonor sentiu a raiva a subir pela garganta, mas não disse nada.
Sabia que perder a calma era render-se. Cerrou os punhos, respirou fundo e respondeu com uma frieza que nem ela reconheceu:
“Então esperarei.”
A mulher continuou a zombar. Ridicularizou a sua falta de dinheiro, os seus estudos, a sua vida “miserável”.
Mas Leonor manteve-se firme, sentada em silêncio, à espera.
Cada minuto que passava era uma batalha interna, um lembrete de todas as vezes que a mãe lhe dissera que a dignidade não se negocia.
Finalmente, a campainha tocou. O advogado chegou, impecável, com a sua pasta e um ar sério.
A mulher recebeu-o com um sorriso arrogante, convencida de que a vitória era sua.
Mas a vida, como sempre, tinha outros planos.
“Boa tarde,” disse o advogado, entregando-lhe um papel. “Estes documentos estão assinados e selados. A propriedade desta casa pertence a esta jovem, conforme estipulado no testamento da mãe. Não tens direito a expulsá-la.”
O silêncio que se seguiu foi absoluto.
A mulher, que até então parecera invencível, ficou sem palavras. O rosto mudou da arrogância para o pânico, e a confiança com que entrara desmoronou-se num instante.
O advogado explicou-lhe, com paciência e firmeza, que não havia nada a fazer—Leonor não sairia dali.
Tudo o que planeE, enquanto a porta se fechava atrás daquela mulher, Leonor sentiu que, pela primeira vez, o futuro era verdadeiramente seu.


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