— Chega de ficar no meu caminho! — bradou Tiago, levantando a mão como se fosse agredir a esposa.
Sofia gritou e se protegeu com o braço, mas Tiago não conseguiu tocá-la: seu filho Miguel apareceu ao lado e segurou o punho do pai.
— Não se atreva a tocar na mamãe!
Tiago lançou um olhar severo ao filho e soltou uma praga. Ele poderia ter batido em Miguel antes, mas esse tempo tinha passado faz tempo. Agora, diante dele estava não um garotinho, mas um jovem forte de dezesseis anos.
— Seu desgraçado! — Tiago acabou soltando.
— E você que se dane! — Miguel respondeu com fervor.
Tiago esmurrou a porta e saiu de casa. Sofia soluçou e cobriu o rosto com as mãos. Miguel ficou sem saber o que fazer ao lado dela, nunca soube como lidar com uma mãe que chorava, mas depois acabou a abraçando.
— Ah, Miguel, como vamos viver a partir de agora?
Miguel sabia que sua mãe se referia ao pai. Ele já tinha um problema com a bebida há tempos, e não importava quantas vezes Sofia tentasse convencê-lo, nem quantas lágrimas ela derramasse, Tiago sempre escolhia a garrafa em vez da família.
— Mãe, por que você não simplesmente vai embora dele? — perguntou Miguel, com uma expressão sisuda.
— Você está louco? Como posso deixar o Tiago? Sem mim, ele não vai conseguir sobreviver!
Sofia balançou a mão, enxugou os olhos molhados e foi para a cozinha preparar o jantar. Ela sabia que Tiago chegaria tarde e pela manhã, certamente, estaria faminto, então tentava fazer algo bom para ele.
Miguel não conseguia entender por que sua mãe se preocupava tanto com o pai. O homem quase a agrediu, e mesmo assim, ela continuava a cuidar dele. Por quê? Para quê? Miguel não se aguentou e entrou na cozinha com uma pergunta séria:
— Mãe, você não tem um pouco de respeito próprio?
— Como assim? Filho, ele é meu marido! Como eu poderia deixá-lo sozinho? E a comida precisa ser feita de qualquer forma. Eu prometi ao Tiago que seria uma boa esposa em qualquer situação, e eu cumpro minha palavra.
— Mãe, mas isso é uma tolice! Ele nunca cumpre o dele! No dia do casamento ele também fez promessas! Disse que te amaria e nunca te machucaria. E agora, o que aconteceu?
Miguel teimou em chamar Tiago de “ele” ou pelo nome, sem querer reconhecê-lo como pai. Ele já decidira que os pais não deveriam se comportar daquela forma.
— Miguel, não julgue seu pai tão severamente. Ele tem seus problemas e não sabe lidar com eles. Isso acontece.
— Mãe, isso é só uma justificativa! Todo mundo enfrenta problemas na vida! Isso não significa que ele deve te agredir ou a mim e beber.
Sofia baixou as mãos enquanto cozinhava. Ela sabia que o filho estava certo e compreendia tudo. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia se forçar a desistir, a deixá-lo, a pedir o divórcio… Sofia ainda acreditava que, um dia, Tiago mudaria. Ele pararia de beber e garantia que a amaria como antes. Mas essas esperanças já faziam dez anos que a acompanhavam. E o que mudou?
— Miguel, eu preciso pensar um pouco — disse Sofia, baixinho.
Miguel achou que não havia nada a pensar, mas não discutiu, percebendo que sua mãe realmente estava refletindo sobre algo.
Ele saiu para cuidar de suas coisas. Ele sabia que seu pai ainda demoraria para voltar, então não precisava se preocupar com a mãe. Miguel se acostumara a protegê-la, então isso parecia algo normal, embora soubesse que não deveria ser assim. Tiago era perigoso apenas quando precisava de bebida; quando estava embriagado, ele não agredia Sofia ou filho.
Miguel passou a tarde com amigos, andando e se exercitando. Não estava muito afim de voltar para casa, mesmo já sendo noite e o tempo começando a esfriar. Durante o dia, podia sair de camiseta, mas com a noite chegava o frio.
Com o suéter fino, ele logo começou a sentir frio e, finalmente, decidiu voltar para casa, já sabendo o que o esperava. Um pai embriagado, roncando no sofá da sala, e uma mãe preocupada na cozinha.
Miguel subiu as escadas e parou surpreso. A porta estava aberta. Isso não parecia certo, já que sua mãe sempre trancava quando Tiago saía. Ele tinha feito algo? Miguel fechou os punhos e entrou no corredor, fechando a porta atrás de si.
— Mãe, você está aí? Está tudo bem?
Ele acendeu a luz na sala, nem pensando que poderia acordar o pai, mas ele não estava lá. Tiago não estava no quarto também. Isso fez Miguel se sentir ainda mais nervoso, então correu para a cozinha, esperançoso de que ela estivesse lá.
— Mãe, você está aqui? — ele acionou o interruptor e praguejou em voz baixa.
Sofia estava caída no chão, aparentemente, tinha batido a cabeça na bancada. Ela estava inconsciente, e Miguel respirou aliviado ao perceber que ainda estava respirando.
— Alô, emergência? Venham rápido, alguém está mal aqui! — Miguel quase não conseguia pensar em como falar.
— O que aconteceu? Quem está mal? — respondeu uma voz bastante indiferente.
— Meu pai… Ele bateu na minha mãe… Ela está inconsciente, venham rápido…
Miguel informou o endereço e depois chamou a polícia. Ele estava decidido a não deixar seu pai sem punição. Como alguém pode viver em paz levantando a mão contra os mais fracos? Aqueles que deveriam ser protegidos?
Logo, Miguel já estava prestando depoimento. Sofia voltou a si e estava sentada no sofá, tentando compreender o que havia ocorrido. Miguel a olhou de soslaio e, finalmente, perguntou:
— Mãe, o que aconteceu?
O policial também a observou com atenção. Ele não havia perguntado nada até agora, percebendo que Sofia não estava em condições de responder, mas agora era possível conversar com ela.
Sofia virou lentamente a cabeça para o filho e disse em voz baixa:
— Miguel, por favor, não fique bravo com seu pai.
— O quê? Mãe, o que você está dizendo? Que ele pode vir aqui! O que ele fez com você? Ele não deveria ter voltado tão cedo!
— Tiago esqueceu dinheiro e quando voltou para pegar, eu tentei novamente conversar. Não adiantou, e ele apenas ficou irritado.
— Tiago! — exclamou Miguel, fazendo uma cara de nojo. Ele não entendia como sua mãe ainda poderia chamá-lo assim, mesmo sendo o monstro que a agrediu.
— Miguel, seu pai é um homem infeliz, ele merece compaixão.
— Não, mãe, ele merece desprezo! Eu não sinto nada por ele.
O policial começou a se cansar da discussão familiar. Ele era frequentemente testemunha de tais situações e sabia que a esposa nunca culparia o marido.
— Você vai fazer uma denúncia?
— Não! — Sofia imediatamente ergueu a cabeça, e o policial sorriu. Ele não esperava outra coisa. Mas não contava que Miguel já tinha um plano em mente e olhava friamente para a mãe.
— Se você não fizer a denúncia contra o pai, ele vai voltar, e eu vou batê-lo. Aí vão me prender, e ele vai sair machucado. Você quer isso? Quer me ver na cadeia, e ele se tornando um inválido?
Caiu um silêncio. Sofia pesou as palavras do filho e sentiu que ele falava a verdade. Tiago havia ido longe demais. Miguel interpretou corretamente o silêncio dela e pressionou:
— Mãe, você já está cansada disso! Você é uma mulher jovem e bonita! Por que se submeter a esse alcoólatra? Se divorcie dele, coloque-o para fora de casa, e vamos viver bem!
Sofia olhou atenta para Miguel e percebeu que ele cresceu e estava cansado de viver salvando-a do pai bêbado. E Miguel estava certo — se Tiago não cumprisse suas promessas, por que ela deveria sofrer e tentar ser uma boa esposa?
Os tempos em que Tiago se desculpava por seu comportamento já tinham passado. Agora, ele considerava seus gritos e insultos como algo normal.
— Eu vou fazer a denúncia, — decidiu Sofia, e Miguel sorriu satisfeito, aliviado por ter conseguido convencê-la.
O policial levantou as sobrancelhas surpreso. Não é comum que esposas agredidas façam denúncias contra seus maridos.
— Podemos fazer algo para nos proteger dele? — perguntou Sofia, ao mesmo tempo. — Eu não gostaria que ele atrapalhasse nossas vidas.
— Nós o prenderemos por agressão. Isso é ameaça à vida, vocês quase morreram, e seu marido não sairá impune.
— Ótimo! Eu consigo me divorciar enquanto ele estiver preso?
— Você ainda terá tempo para se casar de novo, — sorriu o policial.
Miguel sorriu ouvindo sua mãe. Ele não a via tão determinada e confiante há muito tempo. Finalmente, ela havia se livrado do peso de Tiago e estava voltando a ser ela mesma!
— Por que você está sorrindo? — Sofia deu um leve tapa na cabeça do filho quando ficaram a sós. — Vou ter que cuidar de você também! Você se acostumou a sair À noite.
Miguel riu; ele não tinha medo das ameaças. Sofia também sorriu ao olhar para o filho.
— Meu filho, obrigado por me fazer fazer isso. Eu nunca teria coragem…
Miguel não disse nada, apenas a abraçou timidamente e correu para o quarto. Ele não gostava de demonstrar emoções, mas estava feliz por dentro.
Agora tudo deveria melhorar. Miguel até prometeu a si mesmo que iria estudar mais e ajudar mais sua mãe. Agora que Tiago não estava mais em suas vidas, ele até queria estar em casa mais do que antes.
Sofia floresceu quando percebeu que não precisava mais ter medo de ninguém. Tiago foi detido na mesma noite, e agora estava em uma cela. Sofia o visitou apenas uma vez, para se despedir e avisá-lo sobre o divórcio. Claro, Tiago chorou e pediu desculpas.
— Eu te perdoei, desde aquela noite, — disse Sofia. — Mas eu não te amo mais. Não volte mais aqui. Temos uma nova vida agora.
Sofia saiu da prisão e caminhou para casa por um longo percurso, para ficar sozinha consigo mesma. O futuro parecia leve e despreocupado, e a vida começou a brilhar em cores vibrantes. A única coisa que Sofia lamentava era não ter deixado Tiago antes.


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