— Para de ficar no meu caminho! — gritou Tiago, prestes a golpear sua esposa.
Beatriz levou as mãos ao rosto, assustada, mas o marido não conseguiu sequer tocá-la: seu filho, Miguel, surgiu ao lado e segurou a mão do pai.
— Não se atreva a tocar na mãe!
Tiago olhou fixamente para o filho e praguejou. Em tempos, ele não hesitaria em levantar a mão contra Miguel também, mas isso parecia tão distante agora. Diante dele estava não um garoto, mas um rapaz robusto de dezesseis anos.
— Seu insignificante! — exclamou Tiago por fim.
— Vai se danar! — respondeu Miguel, com coragem.
Tiago bateu o punho contra a porta e saiu. Beatriz soluçou e cobriu o rosto com as mãos. Miguel ficou um pouco desconcertado, nunca soube como lidar com uma mãe chorando, mas finalmente a abraçou.
— Oh, Miguel, como vamos viver a partir de agora?..
Miguel sabia que a mãe se referia a como agir em relação ao pai. Já fazia tempo que Tiago bebia, e por mais que Beatriz tentasse convencê-lo, se colocasse no caminho dele ou chorasse, ele sempre optava pela bebida, repetidamente escolhendo a garrafa em detrimento da família.
— Mãe, por que você não simplesmente vai embora? — Miguel perguntou com uma expressão de desgosto.
— Como assim? Eu não posso abandonar o Tiago! Ele vai se perder sem mim!
Beatriz acenou com a mão, enxugou os olhos úmidos e foi para a cozinha — preparar o jantar. Sabia que Tiago voltaria tarde e que pela manhã estaria faminto, então se esforçava por ele.
Miguel não conseguia compreender como a mãe ainda se preocupava com o pai. Ele quase a agrediu, e mesmo assim ela continuava cuidando dele. Por quê? Para que toda essa dedicação? Miguel não conseguiu se conter e entrou na cozinha com uma pergunta carregada de desânimo:
— Mãe, você não tem um mínimo de amor-próprio?
— Como assim? Filho, ele é meu marido! Como posso deixá-lo sozinho? E eu preciso cozinhar, não tem jeito. Eu prometi ao Tiago que seria uma esposa fiel, não importa a situação, e mantenho minha palavra.
— Mãe, isso é inútil! Ele não cumpre suas promessas! Na cerimônia de casamento, ele também fez juramentos! Prometeu te amar e não te machucar. E agora?
Miguel insistia em se referir a Tiago como “ele” ou pelo nome, se negando a chamá-lo de pai. Ele decidiu que os pais não deveriam agir dessa forma.
— Miguel, não seja tão duro com seu pai. Ele enfrenta seus próprios problemas e não consegue lidar com eles. Isso acontece.
— Mãe, isso é só uma justificativa! Todo mundo tem problemas! Isso não dá direito a ele de te agredir ou de beber.
Beatriz baixou as mãos enquanto estava na cozinha. Saber que seu filho tinha razão era desconcertante, e ela também entendia tudo isso. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia se forçar a desistir, a deixar tudo para trás, a pedir o divórcio… Ela ainda acreditava que, com um pouco mais de tempo, Tiago mudaria. Pararia de beber e passaria a amar a ela e a Miguel. Mas Beatriz carregava essas esperanças há quase dez anos. E o que mudou? Alguma coisa realmente se alterou?
— Miguel, eu preciso pensar — disse Beatriz, em um tom suave.
Miguel achou que não havia nada a ser pensado, mas não discutiu, vendo que a mãe realmente estava refletindo sobre algo.
Miguel saiu para resolver seus próprios assuntos. Sabia que o pai não voltaria tão cedo, então não precisaria se preocupar com a mãe. Era algo que ele já havia aprendido a fazer, embora soubesse que isso não deveria ser assim. Tiago só era perigoso quando precisava beber, e, quando estava bêbado, ele não incomodava Beatriz ou Miguel.
Miguel passou a tarde com amigos se divertindo e praticando esportes. Não tinha muita vontade de voltar para casa, embora já estivesse escuro e frio. Durante o dia, ainda dava para andar de camiseta, mas com a noite vinha também o frio.
Usando um suéter fino, Miguel começou a congelar e, finalmente, decidiu ir para casa, já sabendo o que o aguardava. Seu pai bêbado roncando no sofá da sala e sua mãe desanimada na cozinha.
Miguel subiu as escadas e parou em estado de choque. A porta estava aberta. Não gostou disso; sua mãe sempre fechava a porta ao ver o pai sair. Ele tinha feito alguma coisa? Miguel cerrava os punhos e entrou no corredor, fechando a porta devagar atrás de si.
— Mãe, onde você está? Tudo bem?
Ligou a luz da sala, sem pensar que poderia acordar o pai, mas ele não estava lá. Tiago também não estava no quarto. Isso deixou Miguel ainda mais tenso; ele correu para a cozinha, na esperança de encontrá-la ali.
— Mãe, você está aqui? — ele acionou o interruptor e praguejou baixinho.
Ela estava caída no chão, aparentemente desmaiada depois de bater a cabeça na mesa. Miguel respirou aliviado ao perceber que ela ainda estava respirando.
— Alô, emergência? Venham rápido, alguém está mal aqui — Miguel se atrapalhava ao falar.
— O que aconteceu? Quem está mal? — uma voz soava indiferente.
— Minha mãe foi agredida… Ela está sem a consciência, venham logo…
Miguel deu o seu endereço e depois chamou a polícia. Ele estava decidido a não deixar seu pai sem punição. Como alguém pode viver em paz agredindo os fracos? Aqueles que ele deveria proteger?
Logo, Miguel já estava prestando depoimento, e Beatriz se recuperava aos poucos, sentada no sofá, tentando entender o que havia acontecido. Miguel algumas vezes espiava para ela e finalmente perguntou:
— Mãe, o que aconteceu?
O policial também a observava atentamente. Antes, não tinha perguntado nada a Beatriz, sabendo que ela não estava em condições de responder, mas agora seria possível.
Beatriz, lentamente, virou-se para o filho e disse com um tom baixo:
— Miguel, não fique bravo com seu pai.
— O quê? Mãe, você está falando sério? Que ele venha aqui para ver! O que ele fez com você? Ele não deveria ter voltado tão rápido!
— Tiago esqueceu o dinheiro, e quando voltou para buscá-lo, eu tentei conversar novamente. Não deu certo e ele só ficou mais irritado.
— Tiago! — soltou Miguel, torcendo o rosto. Ele não conseguia entender como a mãe ainda podia chamar o monstro que a agrediu daquela forma.
— Miguel, seu pai é um homem infeliz, ele merece compaixão.
— Não, mãe, ele merece apenas desprezo! Eu não sinto nada por ele.
O policial cansou-se de ouvir a discussão familiar. Era um espectador frequente em situações assim e supunha que a esposa não iria culpar o marido por nada.
— Você vai registrar um boletim de ocorrência?
— Não! — Beatriz respondeu de imediato, levantando a cabeça, e o policial sorriu para si mesmo. Não esperava outra coisa. Mas ele não contava que Miguel tinha um plano e agora olhava para a mãe com frieza.
— Se você não fizer isso, ele voltará aqui, e eu vou espancá-lo. Então eu serei preso, e ele sairá machucado. Você quer isso? Deseja que eu vá para a prisão e ele fique inválido?
Silêncio. Beatriz ponderava as palavras do filho e sentia que ele falava a verdade. Tiago havia ido longe demais. Miguel interpretou seu silêncio corretamente e pressionou:
— Mãe, você mesma já está cansada disso! Você é uma mulher jovem e bonita! Por que você continua vivendo com esse alcoólatra? Peça o divórcio, expulse-o de casa, e nós viveremos bem!
Beatriz olhou bem para Miguel e de repente percebeu que ele havia crescido e estava cansado de tentar salvá-la do pai bêbado. E Miguel estava certo — se Tiago não cumpre suas promessas, por que ela deveria sofrer e tentar ser uma boa esposa?
Os tempos em que Tiago, pelo menos, pedia desculpas por seu comportamento já haviam ficado para trás. Agora ele considerava gritos bêbados e ofensas como normais.
— Eu vou registrar um boletim de ocorrência — disse Beatriz, decidida, fazendo Miguel sorrir satisfeita, contente por ter alcançado sua mãe.
O policial ergueu a sobrancelha em surpresa. Não era comum que esposas agredidas registrassem queixas contra os maridos.
— Podemos encontrar alguma maneira de nos proteger dele? — perguntou Beatriz. — Eu não gostaria que ele atrapalhasse nossa vida.
— Vamos submetê-lo por agressão. Isso é uma ameaça à vida, já que vocês quase morreram, e seu marido não sairá impune.
— Ótimo! Vou conseguir me divorciar enquanto ele estiver preso?
— Terá tempo também para casar de novo — respondeu o policial com um sorriso.
Miguel sorriu ao ouvir a mãe. Ele não a via tão decidida e determinada há tempos. Finalmente, sua mãe havia se libertado do peso de Tiago e voltado a ser ela mesma!
— Por que você está sorrindo? — Beatriz deu um leve tapa no filho, uma vez que ficaram sozinhos. — E cuidarei de você! Você anda se perdendo à noite.
Miguel riu, sem medo das ameaças dela. Beatriz também sorriu ao olhar para o filho.
— Filho, obrigada por me fazer fazer isso. Eu nunca teria coragem…
Miguel não disse nada, apenas a abraçou timidamente e correu para seu quarto. Ele não gostava de demonstrações exageradas de emoções, mas também estava feliz por dentro.
Agora tudo deveria melhorar. Miguel até prometeu para si mesmo que se dedicaria mais aos estudos e ajudaria sua mãe mais. Agora que Tiago não fazia mais parte de suas vidas, ele passou a querer estar em casa mais do que antes.
Beatriz floresceu ao perceber que não tinha mais nada a temer. Tiago foi detido naquela mesma noite, e agora ele estava em um centro de detenção. Beatriz o visitou apenas uma vez, para se despedir e avisar que ia se divorciar. Claro que Tiago chorou e implorou por perdão.
— Eu já te perdoei, naquela noite — disse Beatriz. — Mas eu não te amo mais. Não venha mais até nós. Agora temos outra vida.
Beatriz saiu da prisão e caminhou sozinha pela rua, levando o caminho mais longo, para ter um momento só para ela. O futuro parecia leve e despreocupado, e a vida ganhou cores vibrantes. Beatriz só lamentava uma coisa — não ter deixado Tiago antes.
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