— Basta de ficar no meu caminho! — gritou Nuno, levantando a mão como se fosse atingir a esposa.
Inês soltou um grito e se protegeu com o braço, mas Nuno não teve tempo de tocá-la: o filho, Tomás, apareceu ao lado e agarrou o pai pelo pulso.
— Não ouses tocar na mamãe!
Nuno lançou um olhar severo ao filho e praguejou. Ele poderia ter levantado a mão contra Tomás no passado, mas esse tempo já havia passado. Agora, diante dele estava não um garoto, mas um adolescente forte de dezesseis anos.
— Seu fujão! — Nuno ainda disparou.
— Vai se danar! — respondeu Tomás, retribuindo a afronta.
Com raiva, Nuno socou a parede, saiu pela porta e bateu-a atrás de si. Inês soluçou, cobrindo o rosto com as mãos. Tomás ficou em pé ao seu lado, nervoso e sem saber como agir diante do sofrimento da mãe, até que decidiu a abraçar.
— Ah, Tomás, como vamos viver a partir de agora?
Tomás sabia que a pergunta da mãe referia-se a como resolver a situação com o pai. Nuno estava afundado nas bebidas, e não importava quantas vezes Inês tentasse convencê-lo a mudar, quantas vezes implorasse ou chorasse, ele sempre escolhia a garrafa em vez da família.
— Mãe, por que você simplesmente não deixa ele? — perguntou Tomás, com um olhar sombrio.
— Como posso abandonar o Nuno? Ele não conseguiria viver sem mim!
Inês acenou com a mão e enxugou os olhos marejados, indo à cozinha preparar o jantar. Sabia que Nuno voltaria tarde e estaria faminto pela manhã, por isso se esforçava para agradá-lo.
Tomás não compreendia o porquê de sua mãe continuar se importando com o pai. Acabava de quase ser agredida, e ela ainda fazia comida para ele. Por que todo esse sacrifício? Tomás não conseguiu se conter e entrou na cozinha, com uma pergunta carregada de frustração:
— Mãe, você não tem nenhum respeito próprio?
— Como assim, meu filho? Esse é meu marido! Não posso simplesmente deixá-lo sozinho. Além do mais, a comida precisa ser feita. Prometi ao Nuno que seria uma esposa fiel em qualquer situação, e mantenho minha palavra.
— Mas isso é um absurdo! Ele não cumpre suas promessas! Na igreja ele fez votos! Prometeu te amar e não ferir. E agora?
Tomás insistia em se referir a Nuno como “ele” ou por seu nome, não se permitindo chamá-lo de pai. Ele havia decidido desde cedo que os pais não deveriam se comportar daquela maneira.
— Tomás, não seja tão duro com seu pai. Ele tem problemas e não está conseguindo lidar. Isso pode acontecer.
— Mãe, são apenas desculpas! Todos têm problemas! Isso não significa que ele deva te agredir ou a mim e ainda beber.
Inês deixou os braços caírem enquanto estava à beira do fogão. Sabia que o filho estava certo e compreendia tudo muito bem. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia se obrigar a recuar, a desistir, a pedir o divórcio… Inês ainda acreditava que, a qualquer momento, Nuno poderia mudar. Que ele deixaria a bebida e voltaria a amar a ela e a Tomás. Mas essas esperanças acompanhavam-na há cerca de dez anos. E o que isso trouxe de bom? Havia alguma mudança?
— Tomás, eu preciso pensar, — respondeu Inês, em um sussurro.
Tomás achava que não havia mais nada a pensar, mas optou por não discutir, percebendo que a mãe estava realmente considerando algo.
Tomás saiu para a rua. Sabia que o pai não voltaria tão cedo, então poderia ficar tranquilo com a mãe. Ele já se acostumara a protegê-la, tornando essa realidade algo habitual, embora soubesse que não deveria ser assim. Nuno era perigoso apenas quando precisava de bebida; bêbado, ele não agredia a esposa nem o filho.
Tomás passou a tarde com os amigos, jogando e usando as barras. Não queria voltar para casa, apesar de já estar escuro e um pouco frio. Durante o dia, era possível sair de camiseta, mas com a noite chegava o frio.
Com seu suéter fino, começou a sentir friagem e decidiu finalmente ir para casa, já sabendo o que o aguardava. O pai bêbado e roncando no sofá da sala, e a mãe angustiada na cozinha.
Tomás subiu as escadas e se surpreendeu ao ver a porta entreaberta. Isso o incomodou; a mãe sempre fechava a porta atrás de Nuno. Ele fez algo? Fechou os punhos e entrou no hall, fechando a porta silenciosamente atrás de si.
— Mãe, onde você está? Está tudo bem?
Acendeu as luzes na sala, sem pensar que poderia acordar o pai, mas para sua surpresa, Nuno não estava lá. E muito menos na cama. Isso o deixou ainda mais inquieto. Ele correu para a cozinha, na esperança de encontrar a mãe.
— Mãe, você está aqui? — Ele acendeu a luz e soltou um palavrão baixinho.
Inês estava estirada no chão, aparentemente desmaiada após bater a cabeça na mesa. Ele respirou aliviado ao perceber que ainda respira.
— Alô, ambulância? Venham rápido, minha mãe está mal, — Tomás mal sabia o que dizer.
— O que aconteceu? Quem está mal? — perguntou uma voz indiferente do outro lado.
— Ela foi agredida… está desacordada, venham logo…
Tomás forneceu o endereço e logo chamou a polícia. Ele decidira que não deixaria Nuno impune. Como poderia alguém viver em paz levantando a mão contra os fracos? Aqueles que deveriam ser protegidos?
Logo ele estava prestando depoimento enquanto Inês recuperava a consciência, sentada no sofá, tentando entender o que tinha acontecido. Tomás olhou para ela de relance e perguntou finalmente:
— Mãe, o que ocorreu?
O policial observou Inês com atenção. Não a havia questionado antes, pois percebeu que ela não estava em condições de responder, mas agora era a hora de falar com ela.
Inês girou lentamente em direção ao filho e sussurrou:
— Tomás, não se irrite com o pai.
— O quê? Mãe, o que você está dizendo? Que venha aqui! O que ele fez com você? Ele não deveria ter voltado tão cedo!
— Nuno esqueceu o dinheiro e, quando voltou, aproveitei para tentar conversar novamente. Não adiantou, e o Nuno só se irritou mais.
— Nuno! — Tomás exclamou, contorcendo-se. Ele não compreendia como a mãe ainda poderia se referir ao monstro que a havia agredido assim.
— Tomás, seu pai é um homem infeliz; ele merece compaixão.
— Não, mãe! Ele merece apenas ódio! Não sinto nada por ele.
O policial já não suportava ouvir a briga de família. Estava familiarizado com esse tipo de situação e intuía que a esposa não iria acusar o marido.
— Você vai formalizar a queixa?
— Não! — Inês levantou a cabeça rapidamente, e o policial sorriu, sem se surpreender. Mas não percebeu que Tomás já tinha um plano e olhava para a mãe com frieza.
— Se você não formalizar a queixa contra o pai, ele voltará, e eu vou espancá-lo. Aí me levarão, e ele ficará ferido. Você quer isso? Quer que eu seja preso e ele siga nossa vida como um inválido?
Caiu um silêncio; Inês ponderava as palavras do filho e percebia que ele falava a verdade. Nuno havia ido longe demais. Tomás interpretou corretamente seu silêncio e insistiu:
— Mãe, você mesma está cansada disso! Você é uma mulher jovem e bonita! Por que você continua se martirizando ao lado desse bêbado? Divorcie-se dele, expulse-o de casa e viveremos bem juntos!
Inês olhou nos olhos de Tomás e, de repente, entendia que ele cresceu e estava exausto de salvá-la do pai bêbado. E Tomás estava certo, se Nuno não cumprisse suas promessas, por que ainda continuar a sofrer e tentar ser uma boa esposa?
Os tempos em que Nuno se desculpava pelo seu comportamento já haviam passado. Agora, ele considerava os gritos e ofensas como normais.
— Eu vou formalizar a queixa, — decidiu Inês, e Tomás sorriu satisfeito, feliz por ter conseguido convencer a mãe.
O policial ergueu uma sobrancelha surpreso. Raramente esposas agredidas formalizavam queixas contra os maridos.
— Podemos encontrar uma forma de nos proteger dele? — perguntou Inês. — Eu realmente não quero que ele interfira em nossas vidas.
— Vamos prendê-lo por agressão. Isso é uma ameaça à sua vida; vocês quase perderam a vida e seu marido não se livrará com facilidade.
— Perfeito! Vou conseguir me divorciar enquanto ele estiver preso?
— Com certeza, pode até casar novamente, — disse o policial, sorrindo.
Tomás sorria, ouvindo a mãe. Ele não a via tão decidida e pragmática há muito tempo. Finalmente, ela se livrara do peso de Nuno e voltava a ser ela mesma!
— O que está rindo? — brincou Inês, dando um leve tapa na cabeça do filho quando ficaram a sós. — Vou cuidar de você! Você fica com esse hábito de vagar à noite por aí.
Tomás riu; não tinha medo daquele tipo de ameaça. Inês também sorriu, olhando para o filho.
— Obrigada, filho, por me fazer tomar essa decisão. Eu nunca teria conseguido sozinha…
Tomás não disse nada, apenas a abraçou timidamente e correu para o quarto. Ele nunca gostou de demonstrações emocionais intensas, mas estava feliz por dentro.
Agora, tudo deveria se resolver. Tomás até prometeu a si mesmo que iria estudar mais e ajudar mais a mãe. Agora, com Nuno fora de suas vidas, ele sentia vontade de estar em casa mais vezes do que antes.
Inês floresceu ao perceber que não tinha mais ninguém a temer. Nuno foi detido naquela mesma noite, e agora estava no presídio. Inês o visitou uma vez apenas, para se despedir e avisá-lo sobre o divórcio. Claro que Nuno chorou e pediu perdão.
— Eu já te perdoei naquela noite, — disse Inês. — Mas eu não te amo mais. Não volte aqui. Temos outra vida agora.
Inês saiu da prisão e caminhou longamente para casa, optando por um caminho mais longo para refletir. O futuro parecia leve e despreocupado, e a vida agora brilhava em cores vibrantes. Inês apenas se lamentou por não ter deixado Nuno antes.


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