— Chega, Helena!!! Chega!!! – gritava Pedro para a esposa. – Estou farto de você ficar atacando minha família! Meus irmãos! Minha irmã! Até quando vai ser isso?!
— Até quando?! – questionou ela, mais calma agora. – E eles podem constantemente interferir na nossa vida, né? E isso você não menciona!
— Eu só falo quando não aguento mais! E meus pais não fazem nada disso, com certeza!
— Nada disso?! Eles estão sempre tentando entrar no nosso apartamento, ou pedindo dinheiro, ou…
— Eles não fazem nada disso! E a visita do Miguel e do Tiago foi por causa de compromissos na cidade! Precisavam mesmo alugar um lugar?
— Imagina, pessoas normais fazem isso! Alugam um apartamento, um quarto de hotel, qualquer coisa, mas não aparecem em casa como se fosse a casa deles! Nós não moramos num palácio com quartos de hóspedes! É um apartamento de um quarto!
— Que problema! Para você tudo isso é um problema, eu já percebi! Você não tem irmãos ou irmãs, cresceu como filha única na sua casa! Nós, desde pequenos, aprendemos que quando alguém da família precisa de ajuda, os outros devem ajudar, independente de…
— Independente do quê?! – interrompeu Helena, irritada. – Independente do tamanho do apartamento? Independente da opinião da esposa? Independente do fato de que eu não assumi esse papel de cuidar e alimentar três homens? O que é?!
— Você vai de novo por esse caminho?..
— Quer falar de outra coisa? Fique à vontade! – disse ela sarcasticamente. – Quando nós estávamos economizando para a hipoteca, sua irmã precisava de dinheiro para ir ao dentista porque não cuida da boca e teve quatro dentes arrancados… O que você fez? Certo! Deu a ela nossa poupança! E depois…
— Eu não dei tudo! Por que você fica gritando sobre isso?
— Se você tivesse dado tudo, estaria precisando de serviços dentários iguais aos dela! Acredite!
Pedro riu do que ouviu, mesmo estando furioso momentos antes.
— E como você faria isso? Pedindo ajuda ao seu papai? Eu faria o mesmo…
— Para que eu pediria ajuda se eu já tenho o que preciso? – ela pegou uma frigideira do fogão e lançou um olhar ameaçador para o marido. – Eu me viraria sozinha!
— Eu queria ver isso! Você seria a primeira a receber o que não quer e depois correria para se queixar! Se, é claro, conseguisse ir longe… – ele acrescentou em um tom mais baixo.
— Ah, é assim? “Se conseguisse ir longe”? – Helena perguntou de forma mais calma, mas ainda ofendida.
— Você foi a primeira a se revoltar e me ameaçar! Então não venha fazer de conta que é a vítima agora! – respondeu ele. – Você não gosta que eu tenha meus parentes e amigos a quem ajudo! Você fica me gritando que estou afastando a família! Mas eles também são minha família! Não é culpa minha que você não entende isso!
— E eu sou quem, então? Uma empregada? Uma mulher que faz o trabalho de casa com benefícios? Quem eu sou?
— Quem? Você é minha mulher! E eu sou seu marido! Então, pare com isso agora, ou nosso casamento não vai durar muito! – ele pressionou a frigideira que Helena ainda segurava, fazendo-a baixar.
— Só que não me sinto mais sua mulher, Pedro! Tenho a impressão de que você se casou comigo só para não assumir a hipoteca sozinho, e para ter em casa uma serviçal que faz tudo para você e sua vasta família!
— Não fale bobagens, por favor! Eu amo você, mesmo que tenha algo errado com a sua cabeça, mas ainda assim…
— E quem é o culpado por eu estar assim tão nervosa ultimamente? Quem me levou a isso? Eu?
— Você quer dizer que sou eu? – ele se surpreendeu e se sentiu um pouco ofendido.
— Você e seus parentes, que sempre colocam você à minha frente! Eu só quero que ninguém interfira na nossa vida, para termos uma família normal! Para que, por fim, possamos ter filhos! E você…
— E eu, como se eu não quisesse isso?!
— Aparentemente: não!
— Chega de inventar histórias, Helena! Você está enchendo sua cabeça com isso, e depois culpa todo mundo à sua volta: eu e meus parentes! Você faz isso sozinha!
— Claro… Sou eu a culpada por você não ter percebido que SUA família é a mais importante! E os outros parentes… Eles ainda são pessoas próximas, sim, mas não são mais sua família!
— Agora sim, né! Não venha me dizer essas bobagens! Eles sempre foram minha família e sempre serão! E se você não gosta, Helena, então talvez…
— O quê?
— Nada!!! – gritou Pedro novamente. – Deixe-me em paz, já estou farto!
Ele, irritado, saiu da cozinha, deixando a esposa sozinha.
Helena inicialmente pensou em segui-lo, mas decidiu não ir. Sabia que a discussão não terminaria bem e poderia resultar em um divórcio. Embora pensasse nisso de vez em quando, estava cansada de lutar pela independência da sua família, defendendo-se dos parentes intrometidos de Pedro. E ele apenas se irritava mais com ela por isso; para ele, era aceitável que quase todos os fins de semana fosse puxado de casa para visitar os pais no campo, ajudando seus irmãos mais novos e, além deles, ainda ajudando a irmã de vez em quando. Somente Pedro havia se mudado para a cidade; todos os outros permaneciam no campo. E todos os outros, como abutres, sempre ficavam rodeando ele e sua família, tentando arrancar o máximo que podiam, e Pedro nunca conseguia dizer não a eles, dando tudo o que podia. Às vezes, Helena achava que se um dos irmãos pedisse para usar ela, ele também não diria não. Afinal, eles eram FAMÍLIA!
Quase um mês após essa briga, Pedro mais uma vez se preparava para ir visitar os pais bem cedo, enquanto Helena ainda dormia. Mas mal havia saído quando ela acordou e perguntou:
— E pra onde você vai a essa hora?
— Ah… Te acordei, né? Desculpe… Eu já volto!
— Mas você não respondeu a minha pergunta! – disse ela, exigente.
— Eu… A mamãe me ligou, Helena! Tenho que ir urgentemente, estarei de volta para o almoço! – começou Pedro a gaguejar um pouco, mas depois sua voz se tornou mais firme, para que a esposa não achasse que ele estava hesitando nessa viagem.
— Como assim?! – ela perguntou, irritada. – Que almoço? Nós estávamos planejando ir ao show hoje! Compramos os ingressos há um mês! Você está fora de si…
— Vá com alguém! Não transforme isso em uma tempestade em copo d’água!
— Com quem?!
— Com alguém! O que posso fazer? Leve uma de suas amigas! Vocês se divertem! E eu… Há um trabalho urgente em casa que não posso deixar passar!
— Que trabalho?
— Não interessa!
— Que trabalho, Pedro?! – a esposa começava a ficar cada vez mais enfurecida.
— A amiga da Júlia chegou! Ela sempre foi como parte da nossa família até se mudar para Lisboa! E agora ela voltou e teremos um jantar familiar! Minha mãe me ligou quase à meia-noite, quando você já estava dormindo, e me contou!
— Não é a mesma amiga com quem vocês andavam em grupo?
— O quê? Do que você está falando?
— Estou falando daquela mulher com quem você namorou por quase três anos, que acabou te deixando! É ela?!
Pedro percebeu que a esposa já tinha desconfiado de tudo e não havia sentido continuar escondendo.
— Sim! É ela! – confessou ele finalmente, suspirando pesadamente.
— E você está me deixando sozinha em casa para vê-la? – perguntou Helena, com cuidado.
— Eu já disse que mãe me ligou! Temos uma reunião familiar lá! Jantar e tudo mais! Então, aconteceu assim, Helena! Não posso recusar nada a minha mãe! Especialmente quando há um evento em casa…
— Então volte para o lençol da mamãe, ela logo te arranja uma nova esposa que vai agradar toda a sua família! Embora já tenha achado uma!
— O que você está insinuando agora? Ninguém está me procurando ou me encontrou, Helena! É que você nunca vai entender o que é uma verdadeira família e como todos os membros devem se apoiar!
— Ah, é? Mas eu não notei que alguém de vocês nos apoiava! Todos só estão tentando nos secar! E agora ainda tem que incluir sua ex-namorada nessa situação!
— Não há nada disso, pare de inventar! – zombou Pedro. – E eu não vejo problema em rever uma velha amiga que…
— Velha amiga?! – exclamou Helena, estupefata. – Essa é sua ex, que você implorou e ainda estava apaixonado enquanto já estava comigo! “Amiga velha”! Ah, claro! E eu, quem sou? Apenas uma estranha que passou?
— Bom, já que sou seu marido, por que não fui convidada para esse “jantar em família”, mas sua ex estará lá?
— Porque todos a amam e você irrita a todos, assim como agora!!! – gritou Pedro de volta, porque já estava farto das perguntas e suspeitas de Helena.
— É assim? – perguntou ela, em voz baixa. – Então… Vá…
— O quê? Assim tão fácil? E por que você me fez passar por isso? – ele estava confuso com tamanha entrega da esposa.
— Porque agora tudo faz sentido, Pedro! – respondeu Helena. – Vá para sua verdadeira família, para sua querida, que claramente é mais importante para você! Vá! Eu não irei te impedir mais, nem fazer escândalos! Chega para mim!
— Não entendi! O que você quer dizer?
— Quero dizer que estou farta dessas humilhações!
— Você é a única que se humilha quando grita e faz drama, Helena! É sua culpa! Ninguém a forçou a agir assim! Se você fosse mais normal, como a amiga da Júlia, também seria aceita na nossa família! Se você fosse mais compreensiva, sempre estaria comigo, nunca negando ajuda que realmente precisasse! Mas você, como já disse, é o exemplo clássico da filha única! Nunca vai entender isso!
— Não, Pedro! Agora tudo está claro para mim! Antes, eu achava que seria importante para você, mas agora percebo que você já tem suas “moras” do coração! Sua mãe, sua irmã e… – ela hesitou em adicionar a amiga, mas decidiu reformular. – E agora sua nova “amiga” também! E eu vou pedir o divórcio, para não precisar estar mais ligada a essa sua família maluca! Chega disso para mim! Chega!
— Como assim? – perguntou Pedro, apavorado.
— Sim, é isso mesmo! Prepare-se, não se distraia, tem que estar à altura da nova moradora de Lisboa! Porque, e se ela não se apaixonar por você novamente e levar você para lá? O que vai acontecer com seus parentes? Para quem eles vão visitar?
— Tente pedir o divórcio! – Pedro se enfureceu de imediato. – Eu então…
— E o que você vai fazer? Vai se vingar de mim? Fique à vontade! Sua família já me odeia!
— Eu vou te destruir, Helena! Então…
— Vá e destrua a que você está prestes a encontrar! E eu não vou ter nenhum vínculo com você! Chega!
Mal ela terminou de falar, Pedro a agarrava pelo pescoço e a empurrava contra a cama. Helena não conseguia gritar, falar, nada. Era difícil até respirar.
— Eu disse: tente pedir o divórcio! Não vou dividir este apartamento e arcar com mais hipotecas! Então ou você se cala e vai para o seu show à noite, ou eu te estrangulo agora mesmo, e quando voltar, chamo a polícia, dizendo que não estive em casa, e quando cheguei, encontrei seu corpo! Entendeu?
Mas Helena não conseguiu responder, não importava quantos esforços fizesse. E então o telefone de Pedro tocou. Ele a soltou para atender, e nesse momento ela rapidamente pegou um vaso da mesa de cabeceira e o bateu na cabeça dele.
Após o golpe, Pedro desmaiou, e Helena imediatamente ligou para a polícia, contando que o marido a estrangulou e que ela o agrediu. Eles chegaram rapidamente, pensando que a esposa havia matado o marido. Mas descobriram que apenas o “desligou”.
Quando a campainha tocou, Pedro acordou sem saber que eram policiais, e se lançou em direção à esposa, que estava abrindo a porta. E ali foi pego. Não teve chance de infligir mais ferimentos em Helena, mas fez bastante esforço, lutando contra os policiais, até tentar atacá-los, então ele certamente não iria ao jantar familiar, mas sim a outro compromisso…
Helena, aproveitando que Pedro foi levado por algum tempo à delegacia, conseguiu no mesmo dia tratar dos ferimentos no pescoço, redigiu a queixa contra o marido e deu entrada ao pedido de divórcio com a divisão de bens.
Ela também organizou suas coisas em casa e fez um acordo com uma amiga para ficar um tempo na casa dela. A amiga e o marido estavam prestes a viajar a férias durante a semana, então não seria um problema e ainda cuidaria do apartamento. Quanto ao gato e ao cachorro, ela ainda tinha que voltar para cuidar deles, então seria até mais fácil.
Ao receber sua amiga na visita, ela já estava divorciada, a divisão de bens ainda não estava completa, claro, mas Helena alugou um apartamento e transferiu suas coisas para lá. E Pedro estava consumido pela raiva, pois sua esposa fizera tudo que ele mais temia e ainda perdeu o tão esperado encontro com o amor de sua vida, sem nem mesmo ter visto-a.
Após concluírem a divisão de propriedades, finalmente, Pedro partiu para Lisboa, na casa da amiga da irmã, mas lá descobriu que não era necessário, pois a garota tinha um relacionamento sério e já estava se aproximando do casamento, e nem mesmo puderam deixá-lo passar a noite, pois o namorado da garota foi claro: NÃO!
Assim, Pedro ficou sem ninguém em uma cidade imensa que não conhecia, e não tinha nem um centavo para voltar, porque a parte que recebeu da venda do apartamento gastou em presentes para sua amada, deu tudo e ficou sem nada e sem abrigo. E sua família não tinha a intenção de ajudá-lo, pois não tinham dinheiro para enviar, nem mesmo para um bilhete de volta…
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