— Chega, Ana! Chega! — gritou Tiago para sua esposa. — Você já está me cansando com essas críticas constantes aos meus pais! Aos meus irmãos! À minha irmã! Até quando isso vai continuar?!

— Até quando?! — perguntou ela em tom reduzido. — E para eles pode sempre se meter na nossa família, né? E você não diz nada, certo?

— Eu falo quando já não aguento mais! E meus pais não fazem nada do tipo, com certeza!

— Nada do tipo?! Eles estão quase um ano tentando invadir nosso apartamento, ou arrancar dinheiro de nós, ou…

— Eles não fazem nada disso! E o que o João e o Ricardo vieram aqui — era porque eles tinham coisas a resolver na cidade! O que quer que fizessem, alugar um apartamento?

— Acredite, pessoas normais fazem isso! Alugam um apartamento, um quarto em um hotel, qualquer coisa, e não aparecem dois homens enormes em um apartamento pequeno de uma família desconhecida! Nós não moramos em um palácio, não temos quartos de hóspedes! Temos um apartamento de um quarto!

— Ai, que problema! Mas para você tudo isso é um problema, já percebi! Você não tem irmãos nem irmãs, cresceu como uma criança egoísta na família! Nós, por outro lado, sempre aprendemos que se alguém da família precisa de ajuda, é obrigação ajudar, não importa…

— Não importa o quê?! — interrompeu Ana. — Não importa o tamanho do apartamento? Não importa a vontade da esposa? Não importa que eu não assumi a responsabilidade de lavar e alimentar três homens? O que?!

— Você vai voltar a falar disso de novo?..

— Quer que eu fale de outra coisa? Com prazer! — ela disse, sorrindo sarcasticamente. — Quando estávamos juntando dinheiro para a hipoteca, sua irmã precisava de dinheiro para o dentista, porque não sabe fechar a boca e lhe arrancaram quatro dentes… O que você fez? Certo! Deu suas economias para ela! E depois…

— Eu não dei tudo! Por que você continua gritando sobre isso?

— Se você tivesse dado tudo, teria precisado dos mesmos serviços que ela! Acredite!

Tiago começou a rir, mesmo que estivesse muito irritado momentos antes.

— E como você faria isso? — perguntou Tiago entre risadas. — Pediria ajuda ao seu pai? Eu teria que…

— Por que eu pediria a alguém, se eu tenho isso? — Ela pegou uma panela do fogão e olhou ameaçadoramente para o marido. — Eu me viraria sozinha!

— Eu gostaria de ver isso! Você seria a primeira a se queixar e ainda assim correria para reclamar! Se, claro, conseguisse ir longe o suficiente… — ele acrescentou em um tom mais baixo.

— É assim que você pensa? “Se conseguisse ir longe”? — perguntou Ana com calma, mas claramente ofendida.

— Você foi a primeira a se revoltar e me ameaçar! Então não comece a se fazer de vítima agora! — ele respondeu. — Você não gosta que eu tenha parentes a quem ajudo! Você sempre grita que eu estou, veja, desviando de minha família! E eles também são minha família! Não é minha culpa que você não entende isso!

— E eu sou o quê para você? Apenas… empregada? Uma faxineira com direitos de esposa? Quem?

— Como quem? Você é minha esposa! E eu sou seu marido! Então esqueça isso agora, ou nosso casamento não vai durar muito!

— Eu já não me sinto sua esposa, Tiago! Sinto que você se casou comigo só para não pegar a hipoteca sozinho e para ter um pacote completo de serviços para você e para sua imensa família!

— Não invente bobagens, por favor! Eu te amo, mesmo que você esteja perdendo o juízo, mas…

— E quem é o culpado por eu estar me sentindo assim ultimamente? Eu?

— Você está dizendo que sou eu quem fez isso? — ele ficou surpreso e um pouco ofendido.

— Você e seus parentes, que sempre coloca acima de mim! Eu só quero que ninguém se intrometa na nossa vida, que tenhamos uma família normal! Que finalmente tenhamos filhos! E você…

— E eu, como se eu não quisesse isso?!

— Ao que parece: não!

— Chega de inventar essas tolices, Ana! Você se enche a cabeça com isso e depois culpa a mim e aos meus parentes! Você faz isso!

— Claro… A culpa é minha por você não conseguir entender que a SUA família é mais importante que tudo o mais! E o resto da família… Eles são pessoas próximas, sim, mas não são mais sua família!

— Agora, claro! Não me venha com essa conversa, certo?! Eles sempre serão minha família! E se você não gosta, Ana, então talvez…

— O quê?

— Nada!!! — Tiago gritou novamente. — Me deixe em paz! Já estou farto!

Irritado, ele saiu da cozinha, deixando Ana sozinha.

Ana inicialmente pensou em ir atrás dele, mas acabou não indo. Sabia que aquela briga não acabaria bem e poderia levar a um divórcio. Embora ela não pensasse nisso a todo momento, mas às vezes, sim. Estava só cansada de lutar pela independência de sua família, de se defender dos parentes irritantes de Tiago. E ele só ficava mais irritado com ela por isso, pois para ele parecia normal que quase todos os fins de semana ele fosse arrancado de casa para ajudar seus pais no interior, que sempre tinha que ajudar seus irmãos mais novos e até mesmo sua irmã. Afinal, Tiago era o único da família que se mudou para a cidade, os outros ficaram todos no campo. E todos os outros, como abutres, sempre rodeavam ele e a família, tentando arrancar o máximo que podiam, e Tiago nunca conseguia recusar e dava tudo o que podia. Às vezes, Ana pensava que se um dos irmãos dele pedisse para usar a casa dela, ele não diria não. Afinal, eles eram a FAMÍLIA!

Quase um mês depois daquela discussão, Tiago novamente se preparava para ir visitar os pais bem cedo, enquanto Ana ainda dormia. Mas assim que ele estava prestes a sair, ela acordou e perguntou:

— E para onde você vai a essa hora?

— Ah… Desculpe ter te acordado! Eu volto logo!

— Mas você não respondeu à minha pergunta! — repetiu Ana, exigente.

— Eu… Minha mãe ligou, Ana! Precisam de mim urgentemente, vou voltar para casa amanhã à tarde! — Tiago começou a gaguejar, mas depois sua voz ganhou confiança, para que Ana não pensasse que ele estava em dúvida sobre a viagem, podendo ser convencido do contrário.

— No sentido?! — perguntou ela, irritada. — Para que almoço? Hoje nós planejamos ir ao show juntos! Compramos os ingressos há um mês! Você não tá se comportando…

— Vá com alguém! Não faça tempestade em copo d’água!

— Com quem?!

— Com quem você quiser! E daí?! Pegue uma das suas amigas! Vão se divertir! Eu… Tenho um assunto urgente em casa, não posso faltar!

— Que assunto?

— Não importa!

— Que diabo de assunto, Tiago?! — a raiva de Ana aumentava cada vez mais.

— A amiga da Júlia chegou! Ela era quase parte da nossa família por anos, até se mudar para Lisboa! E ela voltou, e teremos uma noite em família! Minha mãe quase ligou à noite, depois que você foi dormir, e me contou!

— Essa não é a mesma amiga que vocês iam atrás em grupo?

— O quê? Do que você está falando?

— Estou falando daquela mulher com quem você ficou quase três anos, e que no fim te deixou! É ela?!

Tiago percebeu que Ana já sabia de tudo e não havia sentido em continuar a esconder a verdade.

— Sim! É ela! — ele finalmente confessou, soltando um profundo suspiro.

— E você agora me abandona em casa só para encontrá-la? — perguntou Ana cuidadosamente.

— Estou dizendo, a mamãe ligou! Temos uma reunião de família! Jantar e tudo mais! Não foi minha intenção, Ana! Eu não posso recusar a mamãe! Especialmente em um evento desse tipo…

— Então pode correr para a saia da sua mamãe, que ela rapidamente vai achar uma nova esposa para agradá-los! Aliás, já achou!

— Estou dizendo de novo que não estou procurando ninguém, Ana! E você nunca vai entender o que é uma verdadeira família e como todos devem se apoiar!

— Sim? E eu não noto apoio de ninguém, muito menos de você ou de sua família! Todos só têm interesse em nos drenar! E agora ainda vão te encaixar com a sua ex?!

— Não vai haver nada disso, não recrie histórias! — justificava-se Tiago. — E não vejo nada de errado em encontrar uma conhecida antiga que…

— Conhecida antiga?! — Ana exclamou indignada. — Mas é sua ex que ainda pedia por você, enquanto já estava comigo! “Conhecida antiga”! O que sou eu então? Apenas uma visitante?

— Se eu sou seu marido, por que não sou convidada para este “jantar em família”, enquanto sua ex estará lá?

— Porque todos a amam, e você irrita todos, assim como está me irritando agora!!! — Tiago gritou em resposta, já cansado das perguntas e desconfianças de Ana.

— Então é assim? — perguntou ela em voz baixa. — Bem… Então… Vá…

— O que? Você vai deixar assim? Então por que todo esse drama ao me fazer perguntas? — ele não entendeu a repentina passividade da esposa.

— Porque agora tudo faz sentido, Tiago! — respondeu Ana. — Vá para sua verdadeira família, sua amada mulher, que claramente é mais importante para você do que eu! Vá! Eu não vou mais te impedir, nem causar brigas! Não faz mais sentido!

— Eu não entendi! O que você quer dizer com isso?

— Quero dizer que estou farta dessas humilhações!

— Você só se humilha quando começa a fazer cenas, Ana! Você mesma se coloca nessa situação! Ninguém a obrigou a agir assim! Se você fosse mais compreensiva, como a amiga da Júlia, também seria aceita na nossa família! Se você fosse mais receptiva, sempre me acompanharia e nunca diria não para a ajuda que é realmente necessária! Mas você é, como já disse, o clássico exemplo de um único filho em uma família! Nunca vai entender isso!

— Mas não, Tiago! Agora entendo claramente! Eu pensava que me tornaria importante para você, mas agora vejo que você já tem suas donzelas! Sua mãe, irmã e… — queria acrescentar a amiga da irmã, mas decidiu mencionar de outra forma. — E agora até essa sua ex! Eu simplesmente vou pedir o divórcio, para não ter mais vínculo com sua família disfuncional! Chega!

— Como assim? — Tiago perguntou, assustado.

— Exatamente isso! Prepare-se, não se distraia, precisa estar à altura diante da nova mulher de Lisboa! E o que vão pensar seus parentes? Para onde irão?

— Só tente pedir o divórcio! — Tiago imediatamente se irritou. — Então eu…

— E o que você vai fazer? Vai me vingar? Vá em frente! Sua família vai me odiar? Isso já acontece!

— Eu te destruo, Ana! Então…

— Vá e destrua quem está podendo, porque agora não tenho mais nada a ver com você! Acabou!

E assim que disse isso, Tiago agarrou Ana pelo pescoço e a empurrou para a cama. Ana não conseguia gritar, nada. Mal conseguia respirar.

— Eu disse: só tente pedir o divórcio! Não vou dividir este apartamento ou pegar mais hipotecas! Então ou você se cala e vai ao seu show mais tarde, ou eu te calo agora e depois vou chamar a polícia, dizendo que não estava em casa e quando voltei e encontrei seu corpo! Você entendeu isso?

Mas Ana não conseguia responder, não importava o quanto tentasse. E então o telefone de Tiago tocou. Ele a soltou para atender, e enquanto ela aproveitou a oportunidade, pegou um vaso da mesa de cabeceira e deu um golpe em sua cabeça.

Tiago desmaiou com o impacto, e Ana imediatamente ligou para a polícia, contando que seu marido a tinha estrangulado e que ela o golpeou. Os policiais chegaram rapidamente, achando que Ana tinha matado Tiago. Mas era apenas um desmaio.

Quando a campainha tocou, Tiago acordou, mas sem saber que eram os policiais, se atirou em direção a Ana, que neste momento abria a porta. E com isso, ele foi apanhado. Não teve tempo para infligir mais ferimentos em Ana, mas fez uma grande tentativa, lutando contra os policiais, e com certeza não iria a um jantar em família, mas para outra “conversa”.

Enquanto isso, Ana, tendo aproveitado que Tiago foi levado à delegacia por algum tempo, conseguiu no mesmo dia fazer um boletim de ocorrência, pediu o divórcio com a divisão de bens e começou a arrumar suas coisas.

Ela decidiu ficar um tempo com uma amiga que iria de férias com a família e não teria problemas em ficar de olho no apartamento. Ela também cuidaria do gato e do cachorro mais tarde, então ficaria mais fácil.

Quando a amiga chegou, Ana já estava divorciada; a divisão de bens ainda não estava finalizada, mas Ana alugou um apartamento e transferiu suas coisas. Tiago estava furioso por Ana ter feito tudo o que ele mais temia e ainda perdeu o tão aguardado jantar com o amor de sua vida sem ao menos vê-la.

Depois que os bens foram divididos finalmente, Tiago se mudou para Lisboa para ficar com a amiga de sua irmã, mas descobriu que ele não era bem-vindo por lá, pois a garota tinha um relacionamento sério, e não conseguiram sequer um lugar para dormir, pois o namorado dela simplesmente disse um claro: NÃO!

Assim, foi deixado sem nenhum parente em uma enorme cidade desconhecida e ainda sem dinheiro para voltar, porque a parte que recebeu da venda do apartamento foi toda gasta em presentes para a sua “amada”, ficando sem nada. E sua família não estava disposta a ajudá-lo, porque também não tinham dinheiro para enviar sequer um bilhete de volta a Tiago.

E assim, ele aprendeu que, antes de tudo, família verdadeira é aquela que se apoia e que o amor se constrói, não se impõe.


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