– Miguel, não estou entendendo o que você realmente quer – disse Ana.
– Não é nada demais – respondeu Miguel. – Só quero um tempo sozinho, um descanso. Vá para a sua casa de campo, relaxe e perca alguns quilos. Você está um pouco fora de forma.
Ele observou a figura da esposa com desdém. Ana sabia que havia ganhado peso por conta do tratamento, mas não sabia como contestar.
– Onde fica essa casa de campo? – perguntou ela.
– Em um lugar muito bonito – sorriu Miguel. – Você provavelmente vai gostar.
Ana decidiu não discutir. Também queria um tempo para si mesma. “Talvez só estejamos cansados um do outro”, pensou. “Deixe que sinta minha falta. E não vou voltar até que ele me chame.”
Ela começou a arrumar as coisas.
– Você não está chateada, está? – perguntou Miguel. – É só por um tempo, apenas para descansar.
– Não, está tudo bem – forçou um sorriso Ana.
– Então vou indo – Miguel a beijou no rosto e saiu.
Ana soltou um suspiro pesado. Seus beijos já haviam perdido a antiga ternura.
A viagem demorou muito mais do que o esperado. Ela se perdeu duas vezes – o GPS falhou e não havia sinal de celular. Finalmente, viu uma placa com o nome da aldeia. O lugar era remoto, as casas eram simples, mas bem cuidadas, com acabamentos em madeira.
“Confortos modernos não existem aqui”, pensou Ana.
Ela estava certa. A casa era uma cabana quase em ruínas. Sem carro e sem telefone, ela se sentia como se estivesse em outro tempo. Ana pegou o celular. “Vou tentar ligar para ele”, decidiu, mas ainda sem sinal.
O sol começava a se pôr, e Ana estava cansada. Se não entrasse na casa, teria que dormir no carro.
Não queria voltar à cidade, nem dar a Miguel a satisfação de dizer que ela não estava conseguindo se cuidar.
Ana saiu do carro. Sua jaqueta vermelha brilhante parecia deslocada no cenário rural. Ela sorriu para si mesma.
– Bem, Ana, você não vai se perder – falou em voz alta.
Pela manhã, um canto agudo de galo a acordou de dentro do carro onde havia dormido.
– Que barulho é esse? – resmungou Ana, baixando o vidro.
O galo olhou para ela com um olho e voltou a cantar.
– O que há com você? – irritou-se Ana, mas neste momento viu um vassourão passar pela janela e o galo silenciou.
Na entrada apareceu um homem idoso.
– Bom dia! – cumprimentou-o ele.
Ana observou-o com curiosidade. Pessoas assim pareciam ter desaparecido – como se tivesse saído de uma ilustração.
– Não fique brava com nosso galo – disse o aposentado. – Ele é bom, só grita como se estivessem o matando.
Ana riu, a sonolência desaparecendo instantaneamente. O idoso também sorriu.
– Você vai ficar muito tempo ou é só uma visita?
– Estou aqui de férias, pelo menos até eu ter paciência – respondeu Ana.
– Venha tomar café da manhã conosco, querida. Você vai conhecer minha esposa. Ela faz tortas… Mas não tem ninguém para comer. Os netos vêm uma vez por ano, os filhos também…
Ana não recusou. Era bom conhecer os vizinhos.
A esposa de Pedro era uma verdadeira avó de contos de fadas – usada em um avental, com um lenço na cabeça, um sorriso sem dentes e rugas bondosas. A casa estava limpa e aconchegante.
– Que lugar maravilhoso você tem! – exclamou Ana. – Por que seus filhos não vêm com mais frequência?
Anna fez um gesto negativo com a mão.
– Pedimos para não virem. As estradas são ruins. Depois da chuva, é impossível sair. Antigamente havia uma ponte, mesmo que antiga. Mas há cinco anos ela desabou. Vivemos como eremitas. Uma vez por semana, o Pedro vai ao mercado. A canoa não aguentou. Pedro é forte, mas a idade…
– Essas tortas são divinas! – elogiou Ana. – Ninguém se importa com as pessoas? Alguém deveria cuidar disso.
– E quem se importa com a gente? Somos apenas cinquenta habitantes. Antes éramos mil. Agora, todos se foram.
Ana refletiu sobre isso.
– Estranho. E a administração onde fica?
– Do outro lado da ponte. E para desviar – são 60 quilômetros. Você acha que não tentamos? A resposta é a mesma: não há dinheiro.
Ana percebeu que tinha encontrado um propósito durante suas férias.
– Conte-me como chegar até a administração. Ou você virá comigo? Não vai chover.
Os idosos trocaram olhares.
– Você está falando sério? Veio para descansar.
– Estou muito séria. O descanso pode assumir várias formas. E se eu voltar e estiver chovendo? Vou fazer valer a pena.
Os idosos sorriram calorosamente.
Na administração da cidade, disseram a ela:
– Quantas vezes vamos ter que repetir? Vocês nos fazem parecer os vilões. Olhem para as estradas da cidade! Quem, em sã consciência, daria dinheiro para uma ponte numa aldeia de cinquenta habitantes? Procurem por um patrocinador. Conhecem o Siqueira?
Ana acenou com a cabeça. É claro que conhecia – Siqueira era o proprietário da empresa onde seu marido trabalhava. Ele era natural daquela região, seus pais tinham se mudado para a cidade quando ele tinha cerca de dez anos.
Passou a noite pensando, e Ana decidiu agir. Ela sabia o número de Siqueira – seu marido havia ligado algumas vezes de seu telefone. Decidiu não mencionar que Miguel era seu marido e sim se apresentar como uma estranha.
Na primeira tentativa, a conversa não aconteceu; na segunda, Siqueira a ouviu, ficou calado e depois riu.
– Sabe, já tinha esquecido que nasci lá. Como está agora?
Ana ficou animada.
– É lindo, tranquilo, as pessoas são maravilhosas. Vou enviar fotos e vídeos. Senhor Siqueira, já fui a todos os órgãos – ninguém quer ajudar os idosos. Só você pode.
– Vou pensar a respeito. Enviei as fotos, quero lembrar como era.
Ela passou dois dias filmando e fotografando para Siqueira. As mensagens foram lidas, mas não houve resposta. Estava prestes a desistir quando Siqueira ligou novamente: – Ana, poderia vir ao escritório amanhã às três horas? E prepare um plano inicial de trabalho.
– Claro, obrigada, senhor Siqueira!
– Sabe, é como voltar à infância. A vida é uma corrida – raramente temos tempo para sonhar.
– Entendo. Mas você deveria vir pessoalmente. Eu estarei lá amanhã.
Assim que desligou, Ana percebeu: era o mesmo escritório onde seu marido trabalhava. Sorriu ao pensar que isso poderia ser um divertido furo.
Chegou cedo, com uma hora até a reunião. Estacionou o carro e seguiu em direção ao escritório do marido. O secretário não estava presente. Entrou e ouviu vozes na sala de descanso, indo até lá. Miguel estava com sua secretária.
Ao ver Ana, eles ficaram claramente surpresos. Ana hesitou na porta, e Miguel pulou de pé, tentando vestir-se rapidamente.
– Ana, o que você está fazendo aqui?
Ana correu para fora da sala, esbarrou com Siqueira no corredor, entregou os documentos a ele e, sem conter as lágrimas, correu para a saída. Não se lembrava como chegou até a aldeia. Jogou-se na cama e começou a chorar.
Na manhã seguinte, um batido na porta a acordou. Na entrada, estava Siqueira acompanhado de um grupo de pessoas.
– Bom dia, Ana. Vejo que ontem você não estava pronta para conversar, então decidi vir pessoalmente. Você poderia preparar uma xícara de chá?
– Claro, entre.
Siqueira não mencionou o que aconteceu no dia anterior. Durante o chá, quase todos os habitantes da aldeia se reuniram na casa. Siqueira olhou pela janela.
– Uau, uma delegação! Ana, aquele não é o senhor Pedro?
Ana sorriu: – Exatamente ele.
– Trinta anos atrás ele já era avô, e sua esposa nos alimentava com suas tortas.
O homem olhou preocupado para Ana, que rapidamente respondeu: – Anna está bem e ainda faz suas famosas tortas.
O dia passou entre reuniões e medidas. As pessoas que acompanhavam Siqueira anotavam e contavam.
– Ana, posso fazer uma pergunta? – dirigiu-se-lhe Siqueira. – Você perdoa seu marido?
Ana pensou e depois sorriu: – Não. Sabe, eu até sou grata a ele por tudo que aconteceu… Por quê?
Siqueira não respondeu. Ana se levantou, olhou para a casa: – Se a ponte for construída, podemos transformar este lugar em um espaço incrível! Reformar as casas, criar áreas de lazer. A natureza aqui é pura e verdadeira. Mas ninguém cuida disso. E se você não quisesse voltar à cidade…
Siqueira a admirava. Ela era especial, decidida e inteligente. Nunca havia notado isso antes, mas agora via em toda a sua grandeza.
– Ana, posso vir novamente?
Ela o olhou atentamente: – Venha, ficarei feliz.
A construção da ponte avançou rapidamente. Os habitantes agradeciam a Ana, e os jovens começaram a voltar. Siqueira tornou-se um visitante frequente.
Miguel ligou várias vezes, mas Ana ignorou as chamadas e depois bloqueou o número.
Certa manhã, houve uma batida na porta. Com sono, Ana atendeu, esperando o pior, mas na entrada estava Miguel.
– Oi, Ana. Vim buscar você. Já chega de birra. Desculpe – disse ele.
Ana riu: – “Desculpe”? É só isso?
– Bem, pare de agir assim… Arrume-se, vamos para casa. Você não vai me expulsar, vai? E, a propósito, a casa não é sua, não se esqueceu?
– Agora eu vou te expulsar! – exclamou Ana.
A porta rangeu, e de dentro saiu Siqueira em roupas casuais: – Esta casa foi comprada com o dinheiro da minha empresa. Ou você, Miguel, acha que sou um tolo? A auditoria está rolando no escritório, e você terá que responder a muitas perguntas. Quanto à Ana, eu pediria para não se preocupar – é prejudicial para ela nesta situação…
Os olhos de Miguel se arregalaram. Siqueira abraçou Ana: – Ela agora é minha noiva. Por favor, deixe a casa. O divórcio já foi solicitado, espere a notificação.
O casamento ocorreu na aldeia. Siqueira confessou que havia redescoberto o amor por aquele lugar. A ponte foi construída, a estrada foi consertada, e uma loja foi aberta. As pessoas começaram a comprar casas para veranear. Ana e Siqueira também decidiram renovar sua casa – para que houvesse um lugar para retornar quando tivessem filhos.
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