A Inês sentiu algo estranho mal pisou no restaurante. Havia algo errado — demasiado vazio para uma sexta à noite, a luz muito suave, o chefe de mesa com um sorriso forçado. O Miguel, no entanto, parecia tranquilo, apenas os dedos que apertavam a sua mão tremiam ligeiramente.
“O seu lugar”, disse o chefe de mesa, puxando a cadeira. Inês parou à entrada da pequena sala VIP. Centenas de velas brilhavam na penumbra, lançando sombras dançantes sobre a mesa branca. No centro, havia um vaso com rosas vermelhas — as suas favoritas. Uma música suave tocava ao fundo.
“Miguel”, sussurrou Inês, “o que se passa?”
Em vez de responder, ele ajoelhou-se. Um anel brilhava na sua mão trêmula.
“Inês Maria”, disse solenemente, “pensei muito em como tornar este momento especial. Mas depois percebi — não importa onde ou como. Só importa uma coisa: aceitas ser minha esposa?”
Ela olhou para o seu rosto ansioso, para a mecha teimosa que caía sobre a testa, para o sorriso tímido — e sentiu um amor indescritível inundar o seu coração.
“Sim”, murmurou. “Claro que sim!”
O anel deslizou para o seu dedo. Inês encostou-se ao Miguel, respirando o cheiro do seu perfume, e pensou: “Aqui está. A felicidade. Simples e clara como um dia de sol.”
Mas uma semana depois, a tranquilidade deles começou a rachar.
“Como assim — sozinhos?” exclamou a Dona Olga, ajustando o penteado impecável. “Não, assim não pode ser! Um casamento é coisa séria, precisa de experiência, da sabedoria de uma mulher. Já encontrei um restaurante perfeito no Chiado…”
“Mãe”, interrompeu o Miguel, suave, “agradecemos a ajuda, mas queremos organizar tudo nós mesmos.”
“Vocês?!” Ela ergueu as mãos. “O que é que vocês sabem disso? A minha sobrinha, a Leonor…”
Inês observava em silêncio enquanto a futura sogra percorria a sala do apartamento, falando sem parar sobre tradições, costumes e a importância de “não passar vergonha perante os outros”. De vez em quando, lançava olhares rápidos e críticos à decoração, como se já estivesse a planear mudanças.
O Miguel tentou novamente: “Já escolhemos o sítio. O ‘Monte Alegre’, lembras-te?”
Dona Olga fez uma careta, como se tivesse levado uma dentada num limão.
“Esse sítio moderno? Nem pensar! Só o ‘Palácio Real’! Aquelas lustres, aquela louça! E o gerente é um velho amigo meu…”
“Mãe”, a voz do Miguel ficou mais firme, “nós pagamos o nosso casamento. E vamos celebrar onde quisermos.”
Dona Olga parou a meio de uma frase. Fechou a boca, ergueu o queixo:
“Pois bem, façam como entenderem. Mas depois não digam que não avisei.”
Ela saiu, deixando para trás um rastro de perfume caro e a sensação de uma tempestade a caminho.
O Miguel abraçou Inês com um sorriso culpado.
“Desculpa. Ela é… um pouco mandona.”
Inês não respondeu. Algo dentro dela sussurrava: Isto é só o começo.
E era.
As semanas seguintes foram uma sucessão de discussões, indiretas e críticas disfarçadas. Dona Olga achava defeito em tudo — desde os arranjos florais até à disposição das mesas.
“Cravos vermelhos? Em outubro? Não, só lírios brancos! E o arco tem que ser mais imponente. Os músicos… Meu Deus, vocês querem mesmo esses amadores? Tenho um quarteto maravilhoso, da Orquestra Sinfónica…”
Inês aguentava como podia. A única salvação era a mãe, a Dona Margarida, calma e ponderada.
“Não te preocupes”, dizia ela quando a filha, exausta, ia chorar no seu colo. “A noiva decide. A tua sogra só não quer aceitar que o filho cresceu.”
Mas a verdadeira tempestade veio por causa do bolo.
“Três andares? Onde estão as rosas de açúcar? As figuras dos noivos?”
“Mãe”, o Miguel suspirou, “querido algo simples e elegante.”
“Simples?” A voz de Dona Olga tremeu de indignação. “Queres envergonhar a tua mãe diante da cidade inteira? O filho do arquiteto principal e um bolo de café!”
Inês não aguentou mais:
“Dona Olga, vamos ser claros. Este é o nosso casamento. Não o seu.”
O silêncio que se seguiu foi cortante.
Dona Olga empalideceu, depois corou e levantou-se abruptamente.
“Pois bem”, disse gelidamente, “vejo que estou a mais. Façam como quiserem!”
E saiu, batendo a porta com tanta força que os vidros tremeram.
“Lá se foi”, comentou o Miguel.
Inês ficou calada. Um peso apertava-lhe o peito.
Dois dias depois, veio o golpe final.
Na loja de vestidos, a fazer o último ajuste, Inês ouviu a gerente ao telefone:
“Sim, Dona Olga, o seu vestido estará pronto. Aquele tom de marfim, quase igual ao da noiva…”
O mundo escureceu à sua volta. Saiu da loja a tremer e ligou para a mãe.
“A mãe comprou um vestido igual ao meu…”
“Calma, menina”, a voz da Dona Margarida soou firme. “Eu trato disto.”
“Como?”
“Confia em mim.”
O chamado terminou. Inês ficou na rua, o desespero a crescer dentro dela. Restavam três dias para o casamento, e ela já nem tinha certeza de que queria aquela festa.
A manhã do casamento amanheceu chuvosa. Inês estava à janela, observando as gotas escorrerem pelo vidro, tentando acalmar os joelhos trêmulos.
Atrás dela, a maquilhadora e a cabeleireira trabalhavam, mas as vozes soavam distantes.
“Inês, para de mexer”, queixou-se a cabeleireira.
Ela obedeceu. Só conseguia pensar numa coisa: que vestido usaria Dona Olga hoje?
“Querida!” A mãe entrou no quarto. “Deixa-me ver-te.”
Inês virou-se. Dona Margarida levou as mãos ao rosto.
“Minha linda!”
“Mãe, arranjaste alguma coisa?”
A mãe sorriu, misteriosa:
“Hoje é o teu dia. Ninguém vai estragá-lo.”
No registo civil, Inês mal se lembrava do que fazia. Tudo se misturava — a música, o locutor, o brilho nos olhos do Miguel, os flashes. O anel quase não entrava no dedo dela, tão trêmula estava.
“Declaro-vos marido e mulher!”
O beijo foi apressado — Inês não parava de procurar, entre os convidados, um vestido cor de marfim. Mas Dona Olga não estava lá.
“Ela vai direto para o restaurante”, murmurou o Miguel.
Inês assentiu. O coração apertou.
No “Monte Alegre”, os aplausos receberam-nos. O salão estava perfeito — toalhas brancas, lustres de cristal, flores por todo o lado. Por um momento, Inês esqueceu os seus medos.
Os convidados sentaram-se. Os empregados serviam champanhe.
De repente, um Mercedes preto parou à entrada.
“Olha…”
Dona Olga saiu do carro com ar majestoso. Vestia exatamente o tal vestido — marfim, cravejado de strass, quase igual ao de noivaMas antes que ela pudesse dar dois passos, um empregado distraído derramou um copo de vinho tinto sobre o vestido imaculado, e Dona Olga saiu em disparada, deixando para trás apenas um murmúrio de indignação e a lição de que a felicidade verdadeira não se mede pela aparência, mas pelo amor que se partilha.
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