A Carolina arrastava-se pela rua, com os pés a moverem-se no piloto automático. O dia tinha sido insuportavelmente longo: duas reuniões, um conflito com um fornecedor, relatórios que teve de refazer por causa de um erro do estagiário. Ao final da tarde, a cabeça latejava e os pensamentos embaralhavam-se. A Carolina só desejava uma coisa – chegar a casa, tirar os sapatos desconfortáveis, tomar um banho quente e afundar-se no sono.
O telemóvel na mala vibrou. A Carolina, relutante, pegou nele, achando que seria o marido, o Vítor, a perguntar o que devia preparar para o jantar. Ao olhar para o ecrã, surpreendeu-se ao ver um número desconhecido. Normalmente, não atendia chamadas de números que não conhecia, mas algo lhe dizia que desta vez devia responder.
“Estou?” — disse a Carolina, com voz cansada, continuando a caminhar na direção de casa.
“Onde é que andas, cabra? Já estamos há uma hora à porta do prédio, estamos esfomeados!” — ecoou na linha uma voz grosseira.
A Carolina parou de repente, como se tivesse ficado presa no passeio. O mundo à sua volta continuava a mover-se, as pessoas desviavam-se da mulher parada no meio do caminho, mas ela permaneceu imóvel, incapaz de acreditar no que estava a ouvir. Aquela voz – áspera, com entonações familiares – pertencia à tia do marido, a Adelina.
“Desculpe, o quê?” — perguntou a Carolina, esperando ter ouvido mal.
“Estás surda, ou quê?” — ouviu-se um resmungo irritado do outro lado. — “Chegámos! Eu, a tua sogra e o Zé Carlos. Estamos aqui há uma hora inteira. Esqueceste-te?”
A Carolina franziu a testa, confusa, tentando lembrar-se do que poderia ter esquecido. Hoje não era feriado nem aniversário de ninguém. Ninguém a avisara sobre a visita da família do marido.
“Adelina, desculpe, mas eu não sabia que vinham,” — disse com cautela.
“Como assim não sabias?” — a voz do outro lado subiu de tom. — “Falámos com o Vítor há uma semana! Ele devia ter-te avisado.”
A Carolina respirou fundo. Ótimo, mais uma surpresa do marido querido. O Vítor tinha o hábito de “esquecer-se” de comunicar coisas importantes, para não ter de assumir responsabilidades.
“O Vítor não me disse nada,” — respondeu, firme. — “Ainda estou no trabalho, devo chegar a casa dentro de quarenta minutos.”
“Quarenta minutos?!” — a indignação na voz da Adelina era clara. — “Estamos cheios de fome, cansados da viagem! Não podes vir mais depressa?”
A Carolina sentiu a irritação a crescer dentro dela. Os familiares do marido apareciam sem aviso, eram mal-educados e exigiam que ela largasse tudo para os ir alimentar… Uma ideia atravessou-lhe a mente como um raio: “E se eu tivesse combinado ficar em casa de uma amiga hoje? Ou se tivesse em viagem de trabalho?”
“Olhe, eu não estava à espera da visita de vocês,” — disse, mantendo a calma. — “Dêem-me tempo para chegar a casa.”
“Não temos tempo para esperar!” — bufou a Adelina. — “O Zé Carlos já está a ficar maluco de fome!”
O Zé Carlos era o primo do Vítor, um homem de trinta e cinco anos que ainda vivia com a mãe e não sabia fazer fosse o que fosse na cozinha.
“E onde está o Vítor?” — perguntou a Carolina, sentindo-se a ferver.
“E eu sei? Não atende o telefone. Deve estar atrasado,” — respondeu a Adelina, impaciente. — “Então, vens ou não?”
A Carolina desligou a chamada sem se despedir. O coração batia rápido de raiva. Ligou para o marido. Toques intermináveis, depois o gravador. Tentou outra vez – o mesmo resultado. A Carolina conhecia esse truque: o Vítor simplesmente não atendia quando achava que a conversa ia ser desagradável.
“Então ele sabe perfeitamente o que se passa,” — pensou. — “E está a esconder-se, como um cobarde. Como sempre, empurrou a responsabilidade toda para cima de mim.”
O telemóvel tocou de novo. Desta vez, era a sogra, a Palmira.
“Carol, minha querida, estás a chegar?” — a voz da sogra era melosa. — “Estamos aqui a congelar, e a Adelina já está a ficar irritada.”
“Palmira, desculpe, mas eu não sabia que vinham,” — respondeu, tentando manter um tom amigável. — “O Vítor não me avisou.”
“Ah, não?” — a sogra fingiu surpresa. — “Mas ele jurou que tinha combinado contigo! Bem, acontece, não é? Anda, despacha-te, querida. A Adelina fica insuportável quando está com fome.”
A Carolina fechou os olhos, contando mentalmente até dez. Tudo se repetia – esperavam que ela largasse tudo para resolver uma situação que nem sequer criara.
“Por que é que eu tenho de pagar pela irresponsabilidade dos outros?” — passou-lhe pela cabeça. — “Por que é que isto é considerado normal?”
Subitamente, percebeu que não estava zangada só com os familiares, mas com a situação em si. Com o facto de acharem normal ligar-lhe e exigir que ela os fosse servir.
“Palmira, estou a caminho, mas não esperem que chegue e comece logo a cozinhar,” — disse, firme. — “Estou cansada, tive um dia difícil. Se estão com fome, há um café perto de casa.”
“Carol, mas que história é essa?” — a voz da sogra ficou magoada. — “Que café? Somos família! Além disso, o Zé Carlos é alérgico à comida de cafés.”
“Sério?” — pensou a Carolina sarcasticamente, lembrando-se de como o Zé Carlos devorara um hambúrguer na última visita como se não comesse há dias.
Percebeu claramente que os familiares do marido estavam habituados a que toda a gente se dobrasse às suas vontades. Lá em cima, as nuvens acumulavam-se, e a ideia de uma tempestade deixou-a ainda mais exausta.
O que se passava, afinal? Por que é que ela tinha de correr para casa para satisfazer os caprichos de pessoas que nem sequer se deram ao trabalho de avisar? Por que é que o marido não atendia o telefone, deixando-a sozinha para lidar com o problema?
“E por que não?” — uma ideia audaciosa passou-lhe pela mente.
A Carolina virou-se e seguiu na direção oposta à de casa. Ali, na esquina, havia um café acolhedor que servia uma carbonara divina e um tiramisu que ela há muito queria experimentar. Decididamente, abriu a porta do estabelecimento e escolheu uma mesa junto à janela.
“Boa noite,” — a empregada sorriu. — “O que vai querer?”
“Uma carbonara e um copo de vinho branco,” — a Carolina percebeu subitamente que estava esfomeada. — “E um tiramisu para sobremesa, por favor.”
Mal fez o pedido, o telemóvel tocou de novo. Era a Adelina. Rejeitou a chamada. Um minuto depois, nova chamada – desta vez da sogra. Depois, uma mensagem do marido: “Onde estás? A minha mãe diz que não atendes. Estão à espera.”
A Carolina sorriu. Eis que o marido aparecia, agora que o problema estava quente.
“Tive de ficar mais tempo no trabalho, chego tarde,” — respondeu, secamente, e silenciou o telemóvel.
A empregada trouxe oA Carolina sorriu enquanto levava o garfo à boca, saboreando a sensação de liberdade que vinha de finalmente colocar-se em primeiro lugar.
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