Há muito tempo, numa pacata rua de Lisboa, os transeuntes depararam-se com uma criança perdida e chamaram a polícia. A menina, de vestido branco imaculado como se viesse de uma festa, contou ao agente que vozes a tinham mandado fugir, apontando para uma casa no fim da rua.

Ninguém percebeu de onde ela viera. A pequena, de não mais que seis anos, estava impecavelmente vestida, longe de parecer uma criança abandonada. Alguns ofereceram-lhe água, outros sugeriram chamar os serviços sociais. Ela permaneceu em silêncio, até murmurar:

— Ouvi vozes…

As palavras fizeram os presentes arrepiarem-se. Alguém ligou para a PSP.

Quinze minutos depois, chegou o sargento Rui Mendes, jovem, mas com olhos cansados. Ajoelhou-se ao lado da menina, falando-lhe com doçura:

— Olá, como te chamas? Onde estão os teus pais?

Ela fitou-o e sussurrou:

— As vozes disseram-me para sair de casa.

— Que vozes, pequenina?

O agente gelou ao ouvir a resposta.

— Não as vi. Estava atrás da porta… Primeiro houve um estrondo. Depois, as vozes disseram: «Foge. Ou serás uma morta.»

Ela hesitou e perguntou:

— Tio, o que é uma morta?

O sargento sentiu um frio na espinha.

— Onde moras? — perguntou, controlando a voz.

A menina esticou o braço, indicando uma casa no fim da rua. Uma vivenda simples, com cortinas fechadas.

Ao entrar, Rui encontrou a porta entreaberta. Com poucos passos, viu o corpo de uma mulher no chão. Pálida, sem respirar. Não era preciso dizer mais nada.

Mais tarde, soube-se: o pai, num acesso de fúria, matara a mãe. Ao ouvir os gritos, a pequena Leonor chegou perto do quarto, mas não entrou. Foi então que a voz do pai, cheia de terror, lhe ordenou:

— Foge. Agora.

Ele quis poupá-la daquela visão. Não sabia que ela já sentira tudo.

Ela fugiu. Sozinha. De vestido branco. Para a rua, onde estranhos a ouvissem.

E salvou-se. Do próprio pai, que devia tê-la protegido.


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