Porque ele era bom…

Vitória deixou as pesadas malas no chão do corredor.
— Ufa!!! A mamã chegou!!! — gritaram alegres as meninas, correndo ao seu encontro vindas do quarto.
Vitória sorriu. Finalmente, estava em casa! Para trás ficavam quatro meses de cursos de especialização, uma república decadente, exames…
Abraçou e beijou as filhas que se colavam a ela. E os presentes, como não haviam de ser?

— Inês, isto é para ti! — a mãe entregou à mais velha um belo casaco de lã macia. Com um guincho de alegria, a vaidosa Inês correu para o quarto. Mas voltou antes de chegar, abraçando a mãe com um ar envergonhado:
— Obrigada, mamã!!! Era mesmo disto que eu estava à espera! — e desapareceu de novo.

— Beatriz, e isto é para ti! — e a mãe tirou da mala algo azul e branco, macio e estranho.
A avó Olívia ergueu as sobrancelhas, surpresa: que coisa peculiar caíra nas mãos delicadas da neta mais nova? Um brinquedo, talvez?

Na direção de Beatriz, olhava um coelho de olhos amendoados. A cabeça, dura, era de papel machê, enquanto a barriga e as patas, macias, estavam recheadas de serradura. O coelho era branco, com pelo artificial curto, vestindo uma camisa azul de gola redonda.
Tudo bem, mas…

Era difícil imaginar um brinquedo mais feio. Os olhos do coelho, tortos e de tamanhos diferentes, estavam em alturas desiguais. O focinho adunco inclinava-se teimosamente para o lado, e os lábios finos exibiam um sorriso torto, quase pedindo desculpas pela sua feiura.

— Oh! — exclamou Inês, já vestindo o casaco novo. — Mãe, o que é esta criatura horrível?!
— Filha… — suspirou a avó Olívia. — Por acaso não havia nenhum brinquedo mais bonito em toda Lisboa, que trouxeste este?! Até os pássaros no campo fugiriam dele!

Ao ouvir a avó, a pequena Beatriz estremeceu, apertou o coelhinho com força e fugiu para o quarto.
— Sabes, mãe, entendo a tua reação. Mas… — disse Vitória. — A Loja do Brinquedo, no centro de Lisboa, é enorme, cheia de coisas lindas, prateleiras apinhadas… E ele estava sozinho, lá no fundo, na prateleira mais baixa… Deu-me pena. E pareceu-me que ele ficou contente quando o peguei… Não sei porquê, mas jurei que ele me disse: *«Obrigado.»*

A avó balançou a cabeça, incrédula, e fez um gesto de desdém… A filha, médica conceituada, ainda não tinha deixado de ser criança: o pós-guerra não oferecia luxos à miudagem…

O coelho feio, fabricado numa longínqua fábrica de brinquedos, tornou-se o preferido de Beatriz. Recebeu um nome solene — Tomás. As duas consoantes vibrantes, pronunciadas por Beatriz com um gracioso arrastar de língua, só aumentavam o ar cómico do animal.

Durante o dia, o Tomás esperava pacientemente que Beatriz voltasse da escola; à noite, ouvia com a mesma paciência as histórias e segredos da menina. Adormecia ela com o focinho do coelho apertado contra a face…

Os anos voaram.

As lavagens frequentes deixaram o pelo branco amarelado — não havia remédio, a serradura tingira o tecido — e a camisa azul, desbotada, quase branca. O Tomás ficara ainda mais horrendo, mas Beatriz amava-o ainda mais, sempre a defendê-lo.

Quando Beatriz fez dezassete anos, a irmã mais velha teve um filho, o Alexandre. Assim que o menino começou a perceber o mundo, o coelho tornou-se o seu herói. Na cama, sussurrava palavras doces ao ouvido do Tomás, que lhe sorria como antes sorrira à tia.

A contragosto, Alexandre um dia entregou o coelho ao primo chorão, o Carlinhos. As lágrimas de mágoa tornaram-se alegria quando o pequeno partiu para casa, apertando o Tomás contra o peito. O coelho ganhara um novo amigo…

Ninguém se admirou quando Carlinhos, decidido, ofereceu o brinquedo a uma menina desconhecida que chorava no jardim, murmurando qualquer coisa ao ouvido do coelho. A rapariga olhou-o espantada, mas levou o presente…

Ali poderia ter terminado a história — o Tomás deixara a família, passando para as mãos de uma dona nova. Mas…

Dificilmente se diria quantos anos se passaram desde o gesto generoso de Carlinhos. Recentemente, a já idosa Vitória visitou uma velha amiga, a Lúcia, tão grisalha quanto ela. As duas recordavam tempos passados quando, sem razão aparente, Vitória contou a história do coelho feio.

— Não será deste animal que me falas? — perguntou Lúcia, tirando de trás das costas algo informe e desbotado…

— Tomás!… — suspirou Vitória.

— Nem sei se é Tomás ou Teodósio, mas há anos que tento deitar fora esta monstruosidade! A bisneta Leonor não deixa… Deram-lho no jardim, quando ela caiu e chorou…

Vitória pegou no brinquedo… Pensativa, recordou um verão distante, as mâninhas de Beatriz a apertarem o coelho feio contra o peito… E sorriu.


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