Segredos no Sótão

Segredos no Sótão

Após a morte da minha avó, meu irmão e eu decidimos ir até a sua casa na aldeia — limpar o lugar e deliberar sobre o que fazer a seguir. A casa era antiga, rangendo com cada passo e exalava o cheiro característico de naftalina misturado a maçãs assadas. Nós passamos a nossa infância ali, mas agora tudo parecia estranho e um tanto… opressivo.

Enquanto organizava coisas antigas no sótão, deparei-me com um baú de madeira com fecho. Não havia chave nem qualquer pista sobre seu conteúdo. Meu irmão, como sempre, desdenhou: “Provavelmente, é só tralha, pra que você quer isso?”

Entretanto, uma curiosidade me impulsionou a abri-lo. No dia seguinte, finalmente quebrei o fecho. Dentro, encontrei cartas. Muitas. Dobradinhas com cuidado e amarradas com uma fita. Eram de um homem cujo nome não reconheci. Escritas com amor, ternura e cuidado. Algumas até datadas após a morte do meu avô. Sim, ele partiu antes da minha avó… mas não tanto antes.

Li quase todas as cartas. Esse homem escrevia para ela toda semana durante mais de 20 anos. Ele conhecia nossa família, mas minha avó — nunca mencionou uma palavra, nem a mais leve alusão. Ela guardou tudo, mas nunca compartilhou essa parte de sua vida com ninguém.

Decidi não contar nada ao meu irmão. Apenas uma carta eu mantive comigo — a mais recente. Nela, ele dizia:
“Se algum dia você se atrever — poderíamos fugir. Mas você escolheu eles. Eu não estou bravo. Apenas amo. Para sempre.”

E sabe o que mais? No verso havia uma fotografia. O homem… que eu definitivamente já tinha visto. No nosso álbum de família. Assinada como “tio Henrique, amigo da família”.

Passaram-se algumas semanas. Voltei para casa, mas a carta e a foto do “tio Henrique” não me saíam da cabeça. No álbum familiar, realmente havia algumas fotos dele — sempre ao fundo, sempre um pouco afastado. Ninguém nunca comentou nada de especial sobre ele. Apenas “amigo da família”. E eu poderia ter esquecido… se não fosse pela minha mãe.

Certa noite, durante o jantar, perguntei cautelosamente:

— Mãe, quem é o Henrique? Ele costumava vir muito à casa da vovó e do vovô, né?

Ela congelou. Colocou o garfo no prato. Olhou pela janela.

— Henrique… era um bom homem. Ajudava com os trabalhos domésticos. Mesmo antes de você nascer. Por que você lembrou dele?

— Encontrei uma foto dele com a vovó. Ele escreveu muito para ela?

A mãe balançou a cabeça e se levantou.

— Melhor não se envolver com isso. Todos tinham seus segredos. Até sua avó. E seu avô. — E acrescentou, enquanto se afastava: — E não pergunte sobre aqueles que já se foram. Nem todos os segredos devem ser desenterrados.

Mas eu já não conseguia me conter.

Fui ao arquivo da cidade, encontrei os registros sobre o tio Henrique. Descobri que ele passou a vida toda na mesma aldeia, nunca se casou, mas deixou em seu testamento uma casa… para a minha avó. Não para o meu avô. Nem para a minha mãe. Para ela.

Quando contei isso ao meu irmão, ele apenas deu de ombros:
— Aparentemente, eles tinham um amor. E daí? Agora não importa mais.

Mas, para mim, importava. Porque em uma das cartas, Henrique escreveu:
“Talvez, um dia, o neto descubra. E quem sabe, entenderá melhor do que nós.”

Desde então, às vezes me pego pensando — talvez o amor não seja sempre algo barulhento. Talvez, às vezes, seja apenas um baú no sótão. E uma pessoa que lhe escreve cartas durante 20 anos. Mesmo que você nunca as leia em voz alta.


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