— Chega, Sofia!!! Chega!!! – gritou Pedro para sua esposa. – Você já se cansou de ficar falando mal dos meus pais! Dos meus irmãos! Da minha irmã! Até quando isso vai continuar?!
— Até quando?! – questionou ela, um pouco mais baixa. – E eles podem entrar na nossa vida a qualquer momento, certo? E você não diz nada pra eles, não é?
— Eu só falo quando já não aguento mais! E meus pais não fazem nada disso, com certeza!
— Nada disso?! Eles estão quase um ano tentando entrar no nosso apartamento, ou arrancar dinheiro da gente, ou…
— Eles não fazem nada disso! E o que o João e o Carlos vieram fazer aqui – eles tinham assuntos na cidade! Precisavam alugar um apartamento?
— Pode acreditar, gente normal faz isso! Aluga um apartamento, um quarto de hotel, qualquer coisa, e não se invade um apartamento pequeno de uma família estranha! Não estamos vivendo em palácios com quartos de hóspedes! Aqui é um apartamento de um quarto!
— Oh, que grande problema! Mas eu entendi! Para você tudo isso é um problema, porque você nunca teve irmãos ou irmãs, você cresceu como um filho único e egoísta na sua família! Enquanto para nós sempre foi ensinado que, se alguém da família precisa de ajuda – os outros devem ajudar, não importa o quê…
— Não importa o quê?! – interrompeu Sofia. – Não importa o tamanho do apartamento? Não importa a opinião da esposa? Não importa que eu não aceitei estar aqui para lavar e alimentar três homens? O que?!
— De novo você tocando nesse assunto?..
— Quer falar de outra coisa? Então, por favor! – disse ela com um sorriso irônico. – Quando estávamos juntando dinheiro para a hipoteca, sua irmãzinha precisava de dinheiro para o dentista, porque não sabe fechar a boca e perdeu quatro dentes… O que você fez? Isso mesmo! Deu todo o nosso dinheiro! E depois…
— Eu não dei tudo! Por que você fica gritando sobre isso de novo?
— Se você tivesse dado tudo, logo você precisaria dos mesmos serviços que ela! Acredite!
Pedro riu, embora estivesse furioso momentos antes.
— E como você faria isso? – perguntou ele entre risadas. – Chamaria seu papai? Para eu…
— Por que eu precisaria pedir a alguém, se eu tenho isso? – Ela pegou uma frigideira do fogão e olhou ameaçadoramente para o marido. – Eu mesma daria conta!
— Queria ver isso! Você seria a primeira a se lamentar e correr atrás dela! Se conseguisse se afastar… — acrescentou ele em um tom mais baixo.
— É assim? “Se conseguisse se afastar”? – Sofia perguntou, mais calma, mas com ressentimento.
— Você começou a se revoltar e me ameaçar! Então não venha fazer de conta que é a vítima agora! – afirmou ele. – Você não aguenta o fato de que ajudo minha família! Você vive gritando que estou cortando laços com a família, mas eles também são minha família! Não é minha culpa que você não entende isso!
— E para você eu sou quem? Assim… Uma empregada? Uma ajudante com benefícios na cama? Quem?
— Como “quem”? Você é minha esposa! E eu sou seu marido! Então esqueça isso agora, ou o nosso casamento não vai durar muito – ele pressionou a frigideira que Sofia ainda segurava, diminuindo sua força.
— Só que eu não me sinto mais sua esposa, Pedro! Sinto que você se casou comigo só para não assumir a hipoteca sozinho, e para ter em casa uma espécie de serviço completo para você e toda a sua família!
— Não fique inventando histórias, por favor! Eu te amo, mesmo que você esteja com a cabeça um pouco confusa…
— E quem você acha que é responsável por eu estar assim? Quem me levou a isso? Eu?
— Você quer dizer que eu fiz isso? – ele se surpreendeu e ficou um pouco ofendido.
— Você e seus parentes, que você sempre coloca acima de mim! Quero apenas que ninguém interfira na nossa vida, que tenhamos uma família normal! Que finalmente possamos ter filhos! E você…
— E eu, como se pode pensar que não quero isso?!
— Pelo visto: não!
— Pare de inventar bobagens, Sofia! Você está alimentando isso na sua cabeça, e depois culpa todo mundo: eu e minha família! Você é a mesma que faz isso!
— Claro… Sou eu a culpada por você não ter percebido que A SUA família é a mais importante! E os demais parentes… Eles ainda são seus familiares, sim, mas eles não são mais a sua família!
— Agora você fala isso! Não venha me enganar com essa conversa, tudo bem?! Eles são minha família, e sempre serão! Se você não gosta, Sofia, talvez…
— O quê?
— Nada!!! – Pedro gritou novamente. – Saia do meu pé, eu já estou cansado disso!
Ele, furioso, saiu da cozinha, deixando Sofia a sós.
Sofia pensou em segui-lo, mas decidiu não ir. Sabia que a discussão não terminaria bem e poderia acabar em separação. Embora pensasse nisso, às vezes. Estava cansada de lutar pela independência de sua família, se defendendo dos parentes incômodos de Pedro. E ele só se irritava com ela, pois achava normal ser arrastado para a casa dos pais todo fim de semana, tendo que ajudar seus irmãos e até enviar dinheiro para sua irmã. Afinal, apenas Pedro havia se mudado para a cidade, todos os outros ficaram no interior. E o resto da família parecia ser abutres, sempre voando ao seu redor, tentando arrancar o máximo possível de sua vida, enquanto Pedro nunca conseguia negar nada e entregava tudo o que podia. Às vezes, parecia a Sofia que se um de seus irmãos pedisse para usá-la, ele também não diria não. Afinal, eles são uma FAMÍLIA!
Cerca de um mês após essa briga, Pedro novamente se preparava para ir visitar os pais bem cedo, enquanto Sofia ainda dormia. Mas antes de conseguir sair, ela acordou e perguntou:
— E para onde você está indo tão cedo?
— Oh… Te acordei, não foi? Desculpe… Chego logo!
— Mas você não respondeu à minha pergunta! – insistiu ela.
— Eu… Minha mãe me ligou, Sofia! Tenho que ir urgentemente, volto para casa antes do almoço! — Pedro começou a gaguejar, mas em seguida sua voz ganhou confiança para que Sofia não pensasse que ele estava em dúvida sobre a viagem e que poderia ser convencido a ficar.
— O que você quer dizer com isso?! – ela perguntou, visivelmente irritada. – Qual almoço? Hoje íamos ao concerto! Compramos os bilhetes faz um mês! Você já está…
— Vá com alguém! Não torne um drama disso!
— Com quem?!
— Com quem quiser! O que há de mais? Chame uma amiga sua! Vão lá, se divertir! Eu… Temos uma situação urgente em casa, e não posso deixá-la passar!
— Que situação?
— Não importa!
— Que situação, Pedro?! – a irritação de Sofia aumentava.
— A amiga da Júlia chegou! Ela era quase parte da nossa família há muitos anos, até se mudar para Lisboa! E agora ela voltou e teremos uma noite de família! Minha mãe me ligou quase de madrugada, quando você já estava dormindo, e me contou!
— Não é a mesma amiga que você e seus amigos foram atrás como um bando?
— O quê? Do que você está falando?
— Estou falando daquela mulher com quem você se envolveu por quase três anos e que, no final, te deixou! É ela?!
Pedro percebeu que Sofia já havia descoberto tudo e não havia mais como esconder.
— É! É ela! – ele finalmente admitiu, suspirando pesadamente.
— E você está deixando eu aqui sozinha em casa, para ir vê-la? – perguntou Sofia cautelosamente.
— Eu já disse, minha mãe ligou! Temos uma reunião familiar! Um jantar e tudo mais! Assim, aconteceu, Sofia! Não posso negar isso para a minha mãe! Principalmente em uma ocasião como essa…
— Então volte rápido para o colo da sua mamãe, que ela vai te arranjar uma nova esposa, que vai agradar todo o seu clã! Embora parece que já tenha encontrado!
— O que você está dizendo? Ninguém estava me procurando, Sofia! Você nunca vai entender o que é uma verdadeira família e como todos os membros devem se apoiar!
— Ah, é? Pois eu não notei que você ou que nós fôssemos apoiados por alguém! Todos só tentam nos espremer até o limite! E agora ainda vão forçar sua ex-namorada a ficar perto de você de novo!
— Não vai ter nada disso, não fique inventando! – Pedro se defendia. – E eu não vejo nada de errado em encontrar uma velha conhecida, que…
— Velha conhecida?! – Sofia se indigna com essa descrição. – É a sua ex, que te pediu e por quem você ainda suspirava mesmo quando estava com mim! “Velha conhecida”! Oh, que absurdo! E eu sou quem, então? Apenas uma estranha que cruzou seu caminho?
— Bem, já que eu sou seu marido, por que não estou convidado para esse “jantar em família”, enquanto sua ex estará lá?
— Porque todos a adoram, e você irrita a todos, assim como agora!!! – gritou Pedro, já exausto das perguntas e desconfianças de Sofia.
— Então é isso? – perguntou ela em um sussurro. – Bem… Vá…
— O quê? Assim tão fácil? E por que você estava me torturando há pouco? – ele não entendeu a resposta tranquila da mulher.
— Porque agora tudo faz sentido, Pedro! – respondeu Sofia. – Vá para a sua verdadeira família, para a sua amada, que claramente é mais importante para você! Vá! Não vou mais te impedir, nem fazer escândalos ou crises! Isso não é mais para mim!
— Eu não entendi! Você está aqui tentando dizer o quê?
— O que eu quero dizer é que já estou farta dessas humilhações!
— Então você só se humilha quando começa a surtir, Sofia! Você mesma se coloca nessa situação! Ninguém te obrigou a fazer isso! Se você fosse mais normal, assim como a amiga da Júlia, teria sido aceita na nossa família! Se você fosse mais receptiva, estaria sempre ao meu lado, nunca negando ajuda quando realmente precisasse! Mas você é, como eu disse, um exemplo clássico de filho único! Você nunca entenderá isso!
— Não, Pedro! Agora tudo ficou bem claro para mim! Antes eu achava que seria alguém importante para você, mas agora percebo que já existem outras mulheres na sua vida! Sua mãe, sua irmã e… – ela hesitou em incluir a amiga da irmã, mas resolveu mudar a forma como se referiu. – E a dama de competição também está na sua vida agora! E eu só vou solicitar o divórcio para não ter mais laços com essa sua família louca! Basta disso para mim! Chega!
— O que você quer dizer? – Pedro perguntou, assustado.
— Estou falando sério! Prepare-se, não se distraia, é preciso estar à altura da nova moradora da cidade! Senão ela não se interessará por você novamente e não te levará de volta para Lisboa! E o que sua família vai fazer então? Para onde eles vão?
— Apenas tente pedir o divórcio! – ele ficou furioso de imediato. – Eu então…
— O que você vai fazer? Vai se vingar de mim? Se desejar! Sua família vai me odiar? Isso já acontece!
— Eu vou acabar com você, Sofia! Então…
— Vá e acabe com a que você está prestes a ver! E não tenho mais nada a ver com você! Chega!
E assim que ela terminou de falar, Pedro a agarrou pelo pescoço e a empurrou para a cama. Sofia não conseguiu gritar ou responder, nada. Era difícil até respirar.
— Eu avisei: tente pedir o divórcio! Não vou dividir este apartamento e nem entrar em novas hipotecas! Então, ou você se cala e vai ao seu concerto esta noite, ou eu vou te estrangular agora mesmo, e ao voltar, chamarei a polícia, dizendo que não estive em casa e que, ao chegar, encontrei seu corpo fedendo! Entendeu?
Mas Sofia não pôde responder, não importava o quanto tentasse. Foi então que o telefone de Pedro tocou. Ele a soltou para atender, e nesse momento ela rapidamente pegou um vaso da prateleira e o arremessou contra a cabeça dele.
O impacto fez com que Pedro desmaiasse, e Sofia imediatamente ligou para a polícia, contando que o marido a estrangulou e que ela o atingiu. Os agentes chegaram surpreendentemente rápido, pois achavam que a esposa tinha matado o marido. Mas na verdade, apenas o “desligou”.
Quando o toque na porta soou, Pedro acordou sem saber que era a polícia e partiu em direção a Sofia, que abria a entrada. E foi assim que ele foi apanhado. Não teve tempo para fazer mais nenhuma maldade, mas tentou se desvencilhar dos policiais e até tentou atacá-los, então iria definitivamente perder o jantar em família, pois teria um outro compromisso…
Enquanto isso, Sofia, aproveitando que Pedro foi levado para a delegacia, conseguiu, naquele mesmo dia, registrar um boletim de ocorrência por agressão, e solicitar o divórcio com divisão de bens.
Ela juntou todas suas coisas em casa e organizou para ficar com uma amiga por um tempo. Ela e o marido da amiga iriam viajar de férias durante a semana, então não haveria problema e ainda monitorariam o apartamento. Ela ainda teria que cuidar do gato e do cachorro, então seria mais fácil desse jeito.
Quando sua amiga chegou, Sofia já estava divorciada, os bens ainda não tinham sido completamente divididos, mas ela já assinara um contrato de aluguel e transferido suas coisas para lá. E Pedro estava completamente enfurecido por ela ter feito tudo o que ele temia, além de perder o tão esperado encontro com a paixão de sua vida sem nem mesmo tê-la visto.
Depois que a partilha de bens foi concluída, Pedro finalmente mudou-se para Lisboa na casa da amiga de sua irmã, mas logo percebeu que não era necessário e que a garota tinha um relacionamento sério e estava prestes a se casar. Ele não foi convidado a passar a noite. O namorado dessa garota foi bem claro: NÃO!
Assim, Pedro ficou sem ninguém em uma enorme cidade que não conhecia, sem um centavo para a viagem de volta, pois metade do dinheiro que obteve com a venda do apartamento foi gasto em presentes para a sua amada, deixando-o sem nada e sem um lugar para dormir. E sua família não pretendia ajudá-lo com isso, já que também não tinham dinheiro para enviar a ele até mesmo o custo da passagem de volta…
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